quarta-feira, 16 de junho de 2010

Da religião: Formas Primitivas de religião

Da religião

1. Formas Primitivas de religião
As manifestações religiosas nem sempre foram como nós às observamos hoje. Assim como as outras construções do intelecto humano - e a própria natureza-, as religiões ou as formas de manifestação religiosa têm consideravelmente se alterando ao longo da história da humanidade. Isso, no entanto, não implica em dizer que as religiões de hoje não trazem em si traços de suas formas anteriores, muito embora, no caminho do tempo, detalhes, traços significante ficaram para trás, ou ainda, foram totalmente resinificados. Credos, objetos de adoração, dogmas, orações e toda ideologia e intenção por trás destes, tem se alterado. Isso de acordo com as condições históricas do momento e sempre com uma finalidade, com um propósito.
Antes de expor as consideradas formas religiosas primitivas, é válido esclarecer sobre como realmente surge não uma religião, mas o sentimento religioso. Este que é responsável pela forma institucional religiosa. Pois seria demasiado vago dizer que em um dado momento da história da humanidade, o homem simplesmente passou a crer em forças que não se constituíam na realidade concreta e objetiva em que vivia. Tal explicação de maneira alguma satisfaz um estudo acadêmico, aproximando-se mais de uma visão de mundo do senso comum. No entanto, para uma explicação clara sobre o fenômeno do surgimento da religião, algumas noções que se tem hoje sobre esse tipo de manifestação, terão que ser superadas. Partes dessas noções de certa forma até preconceituosas sobre as religiões, decorrem do cientificismo de nossa sociedade. Fato intrigante, pois mais adiante mostraremos que a própria ciência tem por trás características típicas de um sentimento religioso, e que o cientista no escuro de seu laboratório, opera com base mais na fé do que em seus dados coletados da realidade concreta.
De inicio, faz-se necessário distinguir sentimento religioso de instituição religiosa. Pois são duas áreas distintas entre si, apesar de frequentemente serem confundidas, motivo pelo qual até o momento tivemos poucos trabalhos realmente satisfatórios com relação ao tema. De maneira simples, mas concisa. Podemos associar o sentimento religioso com o sentimento do belo. De forma alguma podemos extrair o belo de uma sinfonia. Quando ouvimos, sentimos a beleza daquela sonoridade, nos desligamos da realidade dura do cotidiano por alguns instantes. Porém, nenhum físico poderá mostrar cientificamente, através de seus métodos, em que parte, ou detalhe da sinfonia se encontra o belo. Ele mostrará ondas, vibrações, freqüências, em fim, todas as partes concretas da música. Mas não conseguirá mostrar em qual dessas partes se encontra aquele belo sentido pelo apreciador da música.
Semelhante a essa contemplação da música é o sentimento religioso. No sentido de que ele é não uma fuga da realidade, mas uma maneira diferente de viver a realidade. O homem vive continuamente em conflito. As aspirações humanas de vida plena, paz e outras tantas aspirações de caráter até utópico não condizem com a cruel realidade diante de nossos sentidos. Contra as aspirações do coração a realidade mostra morte, derramamento de sangue inocente em guerras sem sentido útil para a manutenção da vida. O homem então, é tomado por essa constante discórdia dentro de si. Esse seria o primeiro momento constituinte do sentimento religioso. De acordo com Ruben Alves:
Desaparecem os horizontes, desaparecem as certezas, desorganiza-se o comportamento, inúteis as súplicas, inútil olhar para o futuro, inútil lutar. Só se ouve o silêncio, só se contempla o vazio, só se sente uma ausência. Chegamos a uma conclusão paradoxal. No seu primeiro momento, a experiência religiosa primordial, longe de ser uma visão de Deus, é o sentimento da dissolução do divino: morte de Deus, eclipse de Deus, ausência de Deus. É significativo que tanto no paraíso quanto na nova Jerusalém não haja templos. Num mundo divino não há lugar para a consciência religiosa. Somente sente a nostalgia religiosa ou aquele que foi expulso do paraíso ou aquele que ainda não encontrou a nova Jerusalém.
(Pág. 141, 2007)
O segundo momento configura-se como uma decisão. Pois neste ponto o homem tem à frente dois caminhos, pelos quais, dependendo de seu estado de espírito seguirá um ou outro. Ruben Alves descreve esse momento da seguinte forma:
Uma possibilidade é o ajustamento: tornarmo-nos realistas e objetivos. Aceitar a realidade socialmente construída como sendo, de fato, a realidade. A outra possibilidade é manter a suspeita de o real não seja real, e guardar, no espaço e no tempo que nos são interiores, os valores e aspirações para os quais não há lugar no mundo: utópicos.
Basicamente, e de forma breve, é dessa maneira que surge no homem o sentimento religioso. Como dissemos anteriormente, este é diferente da instituição religiosa. A ultima, por sua vez, com seus símbolos, templos e dogmas, é antes de tudo um reflexo do sentimento religioso. Ou seja, a religião como conhecemos é um coletivismo do sentimento religioso. Quanto acontece esse agrupamento, os objetivos e fins mudam de acordo com as relações de poder construídas dentro daquele determinado número de pessoas. Que em outras palavras é semelhante ao que acontece com os teólogos. Estes se preocupam em explicar a origem do nome de Cristo, cada letra. Como se isso fosse realmente importante e determinante nos fins construídos e desejados pelo próprio Cristo segundo os escritos que os homens lhe atribuíram.
Diante do exposto, e necessário. Trataremos de abordar especificamente sobre as religiões primitivas. Uma das formas mais primitivas de manifestação religiosa é conhecida como Animismo. Essa denominação tem relação direta com a manifestação em si e foi atribuída pelo Antropólogo Sir Edward. B. Tylor. De acordo Tylor, a noção de alma no homem primitivo surge em situações como, por exemplo, através dos sonhos e de doenças. Diante desses estados, julgou-se que havia uma força presente no homem que de certa forma era independente deste, podendo se manifestar em determinadas situações. O Antropólogo estabelece como sendo este o primeiro momento no surgimento das religiões. Uma fase seguinte seria já, considerando que a alma teria a capacidade sair do corpo humano e habitar qualquer outro componente da natureza. Daqui em diante, o homem primitivo passou a acreditar na existência de espíritos nas árvores, rios, pedras, vento e ouros vários elementos da natureza. Em termos gerais, na crença animista o espírito pode deixar o corpo que abriga por um certo tempo, não deixando com isso de exercer controle sobre esse corpo. No animismo, não existe idéia de ressurreição para os humanos e nem para os espíritos, isso implica que para os animistas os espíritos também morrem. É importante destacar aqui que, segundo Tylor, foi desse ponto que surgiu o fetichismo. Observamos aqui o seguinte. A manifestação religiosa surge de uma incapacidade natural de explicar os fatos tais como eles realmente ocorriam. Aqueles fatos contrariavam o intelecto do homem. Desse impacto, desse descontentamento com o que percebiam passaram a ver o mundo com outros olhos, uma outra leitura da realidade. Basicamente o animismo configura-se no exposto. No entanto, algumas considerações são cabíveis a teoria de Tylor. De acordo com seu trabalho intitulado Primitive Culture(1871), o desenvolvimento das religiões constituem-se em etapas distintas, quais sejam, animismo, fetichismo, totemismo e xamanismo, religiões politeístas e por fim, no ultimo estado evolutivo o monoteísmo. Porem, vários outros estudos já demonstraram que essa regra não é válida. Pois há religiões que passam da forma animista para a monoteísta, sem de forma alguma passar pelas outras etapas. Importante destacar aqui o contexto em vivia o homem. Sua relação era basicamente com a natureza. E como disse Rousseau, “tudo que eles precisavam era de alimento, uma fêmea e um lugar pra deitar”. Ou seja, uma vida extremamente natural.
Não podemos aqui precisar datas com relação a esse surgimento da religião. Pois não há estudo conciso que comprove nenhuma data fixa para o surgimento do animismo.
Para efeito de uma melhor compreensão, ressaltamos o seguinte. É difícil encontrar atualmente uma constituição religiosa pura. Em outras palavras, podemos perceber em uma determinada religião traços de várias outras. Tomemos como exemplo o Cristianismo. Essa crença é fundamentalmente monoteísta, porém, em seus rituais nota-se um toque do fetichismo. É o caso da Hóstia Consagrada. A está é atribuído não só o espírito de Cristo, mas também o seu próprio corpo. Ela é assim, tida como fonte de grandes poderes divinos para os cristãos. Este aspecto é outro que foge aos estudos de Tylor.
Uma outra manifestação religiosa antiga é conhecida como Xamanismo. Frequentemente a palavra tem sido ligada especificamente a crenças indígenas. No entanto, os indígenas foram os principais, se não os únicos responsáveis por manter a tradição das crenças xamanísticas. Foi através deles também que o xamanismo pode chegar a vários outros povos espalhados por todo o planeta. Contudo o xamanismo não é particularidade dos indígenas.
O xamanismo é considerado como uma das mais antigas religiões do homem. Estudos realizados com intenção de um maior aprofundamento sobre essa manifestação atribuem como período de surgimento dessa crença, a era paleolítica. Ou seja, o xamanismo existe há 40.000 (quarenta mil) ou 50.000 (cinqüenta mil) anos atrás. Portanto sua origem remonta a idade da pedra. Durante a primeira metade do século XX, foram descobertas em cavernas nos montes Pirineus, França, pinturas rupestres de figuras humanas com partes do corpo de animais. Por essa e outras características, tais pinturas foram atribuídas a antigas tribos xamãs que habitaram o local em uma época remota. A crença xamanística é fundamentalmente como a maioria das religiões primitivas, cosmológicas. Isso quer dizer que, os xamãs entendem o ser humano como um microcosmo dentro de um macrocosmo. Nessa relação, todas as particularidades da natureza estão entrelaçadas entre si mesmas e com o poder divino. Diferente de crenças não cosmológicas como será mostrado adiante. O homem xamã entende-se como um pedaço do todo “natureza” e do divino que a constituiu. Conclui-se com isso que o xamã ver em todos os detalhes da natureza um poder divino. Tal visão justifica o zelo natural das tribos xamãnicas para com toda a natureza, pois esta é sagrada para a tribo.
Sobre os rituais xamãnicos faz-se necessário um destaque maior. As tribos xamãnicas têm seus determinados instrumentos para uso em cerimônias. Tais instrumentos são de extrema importância, pois estes propiciam um momento de contemplação com a força divina. Entre os vários instrumentos podemos destacar aqui o tambor e o maracá. Os sons produzidos por esses dispositivos favorecem o relaxamento ou o desligamento do corpo físico, facilitando também no xamã um estado de consciência alterado. Exercícios vocais também são usados para induzir o membro da tribo em um transe. Basicamente o ritual xamãnico propõe o alcance de um estado de consciência alterado e profundo. Para os xamãs, é nesse momento de transe, de viagem fora de si, de transcendência, que eles adquirem conhecimento e cura para as doenças. Tais conhecimentos são adquiridos através da comunicação com os seus ancestrais, que, dentro da tribo xamãnica são muito respeitados. Os xamãs são considerados profundos conhecedores do que eles chamam Medicina da Terra. Isso seria basicamente o uso de produtos puramente naturais no tratamento de doenças. Tal capacidade de dominar elementos da natureza na cura de doenças é transmitida de geração em geração via oral, ou durante os momentos de êxtase religioso onde o xamã entra em contato com seus antepassados. Uma das grandes diferenças da crença xamãnica em comparação com as demais religiões, principalmente com as mais recentes, é que no xamanismo não existe o culto a um Deus em especial. Tomando como exemplo o Cristianismo. Este tem sua crença voltada na figura de um único deus. No caso do xamanismo, não há a figura de um deus central e único, nem se quer existe santos. Numa tribo xamãnica prevalece simplesmente o culto aos antepassados, possuidores dos conhecimentos necessários para a vida do próprio xamã em particular e para toda a sua tribo. No mais, por se tratar de uma religião cosmológica, o xamanismo mantém uma dedicação religiosa com os elementos constituintes da natureza a sua volta. Portanto, para os xamãs a união com o natural faz com que a energia deste ultima seja absorvida pelo xamã, que junto com os conhecimentos dos ancestrais formam a base essencial para a vida da tribo.
Como inicialmente comentamos sobre o xamanismo, este foi graças às tribos indígenas preservado e transmitido de geração em geração. Isso permitiu que povos do mundo inteiro viessem a conhecer essa manifestação religiosa. Hoje o xamanismo possui praticantes em todo o planeta. Um fator que contribui para essa expansão do xamanismo é justamente por não existir nessa crença o foco em um único deus, como já mencionamos anteriormente. Com isso, o xamanismo pode adequar-se em qualquer região através de uma religião já existente. Esse adequar-se do xamanismo por vezes leva-o a perder sua essência primordial, em outros casos porem, ele consegue manter fidelidade aos seus preceitos básicos. Outro fator importante para difundir o xamanismo nos dias atuais consiste no seu cuidado especial com a natureza. Nos dias que vivemos, com toda a mídia alertando para os perigos conseqüentes do descaso com o meio ambiente, uma crença que se mostra naturalmente voltada para a proteção e preservação da natureza, e fazendo isso como uma devoção religiosa. É compreensível que tal crença seja vista muito amigavelmente pelos nossos contemporâneos.
Uma outra forma de manifestação religiosa que é bastante comum em tribos é o Totemismo. No inicio do século XX os sociólogos tiveram um grande interesse em estudar esse fenômeno de caráter religioso primitivo. De acordo com alguns dos vários estudiosos do totemismo, essa constitui-se como a forma básica de manifestação religiosa pela qual toda a humanidade já passou.
Como religião primitiva, o totemismo tem fundamentos animistas. No entanto podemos distingui-lo das demais manifestações via características específicas do totemismo. Para melhor compreensão das práticas totêmicas em si, faz-se necessário abordar um pouco sobre a origem da palavra Totem. Em sua essência o termo Totem significa, ou implica, uma relação entre parentes próximos que não podem casar entre si. É com base nesse preceito que se organizam os clãs totêmicos. Dentro do grupo há todo um procedimento para saber se duas pessoas podem ou não se casarem.
A prática religiosa totêmica tem como base a relação com o totem. Este geralmente é um animal. Para os totemistas, o totem é uma representação fiel do sagrado. Ele é responsável pela vida na tribo, interferindo diretamente na rotina do clã. O totem é assim o objeto de adoração do clã, portanto, tem para com a tribo suas restrições, suas regras, seus tabus. Sendo essa mais uma marca forte que distingue o totemismo de outras manifestações. Ou seja o totemismo é fortemente carregado de tabus que tem por objetivo principal separar o sagrado do profano. Outra característica marcante do totemismo diz respeito à organização dos clãs. Ou seja, cada clã tem o seu próprio totem, e a participação religiosa dos membros do clã variam de acordo com o sexo e a idade. Todos no clã respondem pelo nome do Totem, este é também uma espécie de identidade do clã. Por exemplo, se um clã tem como seu totem a águia, todos desse clã se consideram como uma águia, mesmo sabendo existencialmente que não são. Uma outra idéia que encontramos no totemismo é a de mana. Este está presente também do animismo. Conceitualmente, mana seria uma força divina superior, um deus impessoal, imaterial, cuja sua força material se revela no totem.
Os totemistas praticam a exogamia, que em outras palavras significa que, não pode haver casamento na tribo entre parentes de sangue. Essa atitude tem a ver com as questões morais das tribos totêmicas. Importante ressaltar o seguinte. A relação do animal, seja qual for o totem, não é para com um membro do clã de forma individual, e sim o totem é para o coletivo do clã. Muitos atribuem o termo totemista para quem, individualmente tem essa relação com algum animal ou planta, que acredita ser, ou ter poderes sobrenaturais. O que configura-se um equivoco.
Uma manifestação religiosa que pode ser atribuída individualmente, diferente do totemismo, é o Fetichismo. Além da definição religiosa ou antropológica do termo, Fetichismo é definido ainda em duas diferentes áreas, psicologia e sociologia.
Na antropologia, fetichismo é a crença no poder sobrenatural ou divino de algum objeto que essencialmente não tem nada daquilo que lhe atribuído. Religiosamente falando podemos comparar com as imagens dos “santos” cultuados pelo cristianismo católico. Os fiéis tem a convicção de que aquelas imagens tem poderes sobrenaturais que podem intervir curando e amenizando os problemas do cotidiano. Um outro exemplo de pratica fetichista é o Vudo. Nessa pratica, é atribuído a um boneco de pano o poder de manipular outras pessoas. Essa é a orientação religiosa do fetichismo.
Na psicologia, o fetichismo é relacionado com uma patologia. Refere-se principalmente a questão sexual. Ou seja, ao individuo que direcionam seu prazer a um objeto qualquer. Esse objeto acaba por substituir o sexo oposto na relação sexual, daí a atribuição de patologia a esse comportamento. Como no caso religioso, a característica marcante aqui é que esse objeto nada tem a ver com o significado dado a ele pelo fetichista.
Na sociologia Marx também usou o termo fetichismo. Referindo-se aqui a profunda alteração nos valores das “coisas”, seria o fetichismo da mercadoria. Este tipo consiste nos valores da sociedade para com os objetos por ela produzidos. Podemos exemplificar da seguinte forma. A razão de andarmos vestidos, de se usar roupas, é por que a moral da sociedade em que vivemos diz que andar sem roupa é errado. Portanto, a função da roupa é cobrir o corpo. Porém, no modelo econômico em que estamos a roupa parece ter outra função, pois não basta ser uma roupa, tem que ser da Diesel, não basta ser um tênis, precisa ser da Nike. As roupas caras, os tênis de marca, são símbolos de poder, representam status para o usuário, parecem inserir esse na sociedade. Ou seja, na realidade o objeto em si nada disso representa, torna-se assim um objeto de fetiche.
Basicamente o fetichismo consiste nessas representações. Podemos considerar que todas as áreas de conhecimento que empregaram o termo, o fizeram sem subtrair a sua essência.
No momento são necessárias algumas considerações sobre tudo que foi exposto. Totemismo, Xamanismo e Fetichismo são manifestações religiosas primitivas, como já colocamos. Elas atualmente existem ou em sua forma pura, ou mesclada em grandes religiões espalhadas por todo o mundo, e que na maioria das vezes os fiéis não se dão conta das origens dos detalhes dessas grandes religiões. Esses três tipos são essencialmente de base animista. Ou seja, o Animismo é a forma de manifestação das religiões primitivas. Como o Cristianismo que tem vários subgêneros como por exemplo, o Protestantismo, Igreja Apostólica Romana, Catolicismo Ortodoxo entre outros. Portanto, Xamanismo, Totemismo e Fetichismo, são domínios religiosos primitivos do Animismo.

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