quarta-feira, 16 de junho de 2010

Cristianismo e secularização

Cristianismo e secularização

Um fenômeno tem sido observado já há bastante tempo sem, no entanto ter constituído motivo de preocupação para a maioria das pessoas. É bem visível – e sobre isso qualquer pessoa por menos instruída que seja já percebeu –, que diariamente a sociedade como um todo parece se distanciar das questões religiosas, mesmo em áreas rurais onde a religiosidade é bem mais intensa que nos grandes centros urbanos, se compararmos a freqüência de indivíduos em cultos religiosos de hoje com relação à mesmo dez anos atrás, notaremos uma grande redução no numero desses participantes. Denomina-se tal fenômeno de secularização, que segundo Peter L. Berger significa exatamente: “o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos” (pág. 119, . Podemos nos perguntar o porquê dessa diminuição na participação da vida religiosa da comunidade, e com certeza várias respostas poderão surgir como, por exemplo, a mídia, especialmente a televisão. Hoje muitas pessoas dividem o tempo que antes era apenas da igreja com a programação da tv. Com certeza tal motivo aparentemente ingênuo que pode sair de uma pessoa até leiga, tem no fundo uma explicação lógica e complexa que tentaremos esclarecer aqui juntamente com outros motivos mais fortes.
O cotidiano das pessoas hoje inevitavelmente – salvo raríssimas exceções –, vincula-se diretamente ao modelo de produção vigente, ou seja, o capitalismo. Para compreender esse afastamento cada vez maior das instituições religiosas por parte da sociedade é indispensável uma analise que englobe esse modelo capitalista, haja vista, que este oriente a vida da maioria das pessoas. Porem, o fenômeno da secularização, ou seus vestígios iniciais, podem ser percebidos há muito tempo antes de se instalar o sistema de produção capitalista, já que este se consolidou basicamente após a revolução industrial. Na verdade há vestígios da secularização em épocas pré-cristãs. Para uma melhor compreensão será preciso tratar de forma sintética sobre a religião antes de Jesus Cristo1 de uma forma geral.
As formas religiosas primitivas são consideradas como cosmológicas, isso se deve ao fato do mundo ser entendido de uma forma universal. O povo primitivo acreditava que tudo na natureza era dotado de um espírito, como se deus fosse um “todo” e ao mesmo tempo estivesse presente em tudo. Dessa forma a vida das pessoas era diretamente ligada a essa concepção de deus, havendo assim um relacionamento muito mais estreito entre o homem e deus. Um exemplo dessa relação intima do homem com deus é o antropomorfismo2 extremo das religiões tribais.
Tempos depois com o monoteísmo, as vias de ligação do homem com deus reduziram-se. No judaísmo, forma religiosa monoteísta anterior ao cristianismo, o mundo já não era entendido de uma forma universal, a lei de Moisés determinava os meios de se chegar a deus, fora esses não haveria outra forma de ter contato com deus. Dessa forma o judaísmo deu inicio ao processo de secularização, e o mais importante, de uma forma lícita, pelo menos para um grande número de indivíduos. Destaca-se aqui a racionalização da relação dos judeus com a sua divindade. O cristianismo configura-se de certa forma com um aumento, ainda que tímido, das vias de acesso a deus, e conseqüentemente uma tênue diminuição da racionalidade. A questão do cristianismo, comportar a idéia de vida após a morte, dos espíritos de falecidos pelos quais devemos orar, entre outros variados pontos que não implica expor aqui, é uma demonstração de caminhos diversos para se chegar a deus.
No entanto, séculos após a sua criação, o próprio cristianismo, veio a contribuir de forma clara com a secularização, isso se deu com a reforma de Lutero. Parece um pouco estranho para algumas pessoas que uma religião que prega a comunhão com deus, exorta a aproximação do homem às coisas de deus, tenham no decorrer dos séculos contribuído justamente para o afastamento do homem para com seu deus. Porem o afastamento não se dá de forma consciente nem pelos sacerdotes, e muito menos pelos fies. A religião adota e altera certas unidades de sua estrutura, que acaba tendo como um resultado, a dispersão lenta de seus membros. Por sua vez os membros da igreja não se percebem a principio que estão aos poucos se desligando das normas de sua igreja, e adotam essa atitude com a certeza de estarem de acordo com sua religião. Mas a conseqüência é que, aos poucos se distanciando, tempo depois e percebem que estão totalmente desligados de sua igreja, sendo que essa não mais representa para ele uma orientação para sua vida, ou seja, já não é mais tão necessária.
Quanto ao fato da reforma luterana ter contribuído para a secularização é simples de se entender. A priori é preciso ter em mente que em torno da reforma e conseqüentemente naqueles que a conduzira, havia todo um corpo teórico, um impulso, um entendimento de mundo de como deveria ser a religião, já que segundo o próprio Lutero via na igreja romana um lamaçal de corrupção. O protestantismo trouxe inúmeras mudanças com respeito a igreja católica, sinteticamente podemos dizer que aconteceu com a reforma aquilo que ocorreu antes com o judaísmo, ou seja, houve uma redução ou simplificação como alguns preferem chamar, dos caminhos para se chegar a deus.
O cristianismo com seus muitos santos, todos prontos a auxiliar o senhor na árdua tarefa de cuidar de seus pupilos, para que nada de mal vos aconteça – salvo em casos em que ele próprio o faça, como no diluvio – , toda aquela crença nas almas dos queridos entes mortos sofreu novamente um corte pela reforma. O protestantismo reduziu todos os outros caminhos que levam a deus, restando tão somente a bíblia sagrada. Como explica Peter L. Berger: “o protestantismo deixou de rezar pelos mortos(...) o protestantismo despiu-se tanto quando possível dos três mais antigos e poderosos elementos concomitantes do sagrado: o mistério, o milagre e a magia” (pág.124). A reforma veio a tona com essa maneira simples e estreita de se chegar a deus, como fez o judaísmo a muito tempo atrás, o protestantismo tentou ao máximo reduzir todo e qualquer traço de mágica e mistério nos cultos, tudo é explicado muito racionalmente. É impressionante ouvir os argumentos de um pastor da universal explicando como fez certa vez para expulsar um espirito teimoso. Dessa maneira a reforma contribuiu com a secularização, pois ao estreitar a via de acesso a deus, reduzindo-a a bíblia, bastava que o crente quebrasse esse fino cordão. Outro ponto é novamente a racionalização, os crentes racionalizaram a religião, ao agir com tal racionalidade sobre as coisas divinas corre-se o risco de questionar, de buscar entendimentos, explicações racionais para tudo dentro da religião, chegando ao ponto de não mais conseguir tais explicações, nesse momento a religião deixa de ser a verdade para o crente.
A questão da racionalidade contribuiu muito para o caráter secularizador do protestantismo, não é atoa que a racionalização é uma das bases éticas de todos os movimentos reformistas. Outro grande fator que veio contribuir em muito com a secularização, e que trataremos de forma geral, é a própria ética que orienta a conduta protestante. Weber nos dá uma ótima visão de como essa ética contribuiu para a manutenção do capitalismo, embora tenha deixado de explicitar muito sobre o assunto.
A base dessa estruturação parte da noção de vocação. Os primeiros movimentos reformistas, viam na igreja romana uma total degeneração, a igreja estava deixando de ser divina para ser mundana. Os reformistas se entendiam como chamados por deus para limpar essa sujeira, eles precisavam trabalhar na opus dei e para deus, precisavam desligar-se das coisas mundanas. No entanto, o trabalho em troca de lucro e a acumulação quase conseqüente de riqueza, são atos mundanos, porem a reforma encontrou uma maneira muito conveniente de quebrar essa contradição. Para os reformistas o trabalho devia ser voltado para deus. Prega a ética protestante que o homem não pode exibir riqueza, luxo e nem pode trabalhar com vistas ao acumulo de bens, e que o crente deve ser honesto, honrar com seus compromissos. Ou seja, para os protestantes o trabalho é uma vocação divina que ao mesmo tempo que lhe dá o seu sustento dignamente, os mantem distante das coisas mundanas. Essa ética protestante é que contribuiu em muito para o surgimento de uma elite capitalista.
OBS: texto incompleto!

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