sexta-feira, 4 de maio de 2012

Três equívocos básicos com relação ao marxismo



Este breve texto constitui-se de sintéticas reflexões acerca das discussões e comentários realizados em uma aula na pós-graduação em educação da Universidade Estadual do Ceará – UECE. Objetiva-se aqui, tão somente, esclarecer determinadas "acusações" que são comumente dirigidas ao marxismo. Contudo, alertamos que não estamos com isso, defendendo o marxismo como verdade, outrossim, expor aquilo que o próprio Marx teorizou e procurou por em prática, em contraste com as históricas distorções que sua teoria-prática têm sofrido ao longo de anos. Procuramos nesta sintética comunicação, proceder segundo os pressupostos marxiano-lukacsiano, pelo fato deste proporcionar um entendimento da realidade em todas as suas determinações – o que não quer dizer que seja possível entender a realidade em sua totalidade, mas sim, aproximar-se dela.
Podemos resumir a exposição em três momentos, conforme o que foi dito na aula. Desta forma, temos inicialmente o tema da teleologia entendida de forma mecânica-idealista; em segundo a determinação economicista que de certo modo está contida no item anterior e, é comum principalmente entre os simpatizantes de Focault; e por último, a ideia corrente de que o marxismo nega o desenvolvimento das forças produtiva.
Teleologia/processo teleológico é, grosso modo, o ato de por um fim, antes de realizar algo, conceber no pensamento o resultado, a partir de onde se procura os meios para atingir esse fim. Assim, o mundo é fruto da teleologia divina, pois deus, segundo as religiões, fez o mundo, bem como sabe o dia de seu fim, e a maneira com se dará tal fim. Ou seja, tem absoluto domínio sobre ressa realização. Nesta perspectiva, os críticos do marxismo afirmam que para Marx, o fim da história é o comunismo. Ou seja, pre-idealizou-se tal modelo de organização social, busca-se os meios para atingi-lo – a revolução, por exemplo –, e pronto, chega-se ao comunismo, simples assim.
Contudo, a teleologia no marxismo difere dessa concepção. Lukàcs, que resgatou o caráter ontológico da teoria de Marx, dando a esta uma perspectiva mais filosófica, é claro ao expor que a teleologia só é possível no trabalho (ontológico). Entretanto, o trabalho teleológico, onde se põe os fins pelos quais se busca os meios para alcança-lo, está sempre sujeito às contingências, as casualidades. Isto se dá justamente porque o homem não tem o absoluto controle da natureza. Todo processo teleológico está ainda, para o marxismo, sujeito a faculdade do pensar humano, ou seja a subjetividade. Tal aspecto encontra-se, por exemplo, na escolha das alternativas. Em resumo, a teleologia tal como é entendida pelo marxismo, não implica o domínio absoluto do fim, até porque isto é algo impossível.
Como exemplo, podemos colocar uma atividade qualquer, como, abrir um cocô. Uma vez que se tem na ideia o fim (o cocô aberto), procura-se os meios para alcançar concretizar essa prévia ideação (chave, pedra, faca, foice, etc), pode ocorrer, todavia, que não se encontre um ou outro dessas ferramentas, dependendo do local onde se esteja (as contingências), de acordo com a ferramenta, pode-se até nem realizar aquilo que foi pre-idealizado. Ou então, concretizando, vai-se além daquilo que se pensou inicialmente, como por exemplo, aprende-se qual instrumento é melhor, qual maneira é mais confortável para realizar aquele fim, qual cocô é melhor para se abrir, se o pequeno ou o maior, etc. Ou seja, nunca fica-se apenas naquilo que se pre-idealizou. Além disso, parte-se sempre de uma necessidade real, concreta.
Sobre o determinismo econômico, podemos dizer que deriva de uma não compreensão de uma peça fundamental na teoria de Marx, que é a dialética. Quem leu o mínimo da obra de Marx, sabe que, em virtude da dialética universal-particular-singular, que é concreta e histórica, não há do marxismo categoria que determine – no sentido mais imediato do termo – outra, mas sim, tem predomínio sobre outras, que é o caso do modo de produção em relação a religião, política, Direito etc., sendo que ambas determinam-se reciprocamente – o que é muito diferente do determinismo mecânico. E quando na Ideologia Alemã, Marx diz que é o material que determina o pensar, ele o faz, precisamente naquele sentido que Lukács explicou, ou seja, em última instância, pois seres sem consciência, mas não consciência sem seres.
Veja-se no caso da educação. Este complexo hoje é voltado para o atendimento do mercado, as medidas tomadas como escola técnica, PROUNI, os investimentos do Banco Mundial na educação com vistas a elevar a economia, etc. E ainda, atente-se para o fato de que a educação hoje é mercadoria com registro na Organização Mundial do Comércio. Isto põem-se como exigência da produção atual, de pessoas que saibam manusear maquinas, que estejam 'qualificadas' para operar as novas tecnologias. Por outro lado, a própria educação, as pesquisas desenvolvidas por universidades, o conhecimento adquirido vai contribuir para que cada vez mais se desenvolva as técnicas de produção, o que implica alterações no próprio modo de produzir (não estruturais).
Ora! Se para o marxismo a economia determinasse as demais categorias, de que adiantava os estudos marxista na área da educação, os debates políticos, os protestos baseados no marxismo, etc? De que adiantaria realizar a 1ª Internacional? Se a economia burguesa já estava ali determinando tudo, inclusive o próprio agir particular de cada indivíduo? Ou seja, não adiantaria fazer nada para melhorar a sociedade. Pensa assim os deterministas mecânico-idealistas, os religiosos, etc. Para que se preocupar com o amanhã? o amanhã a deus pertence! Esta de fato não é a postura que lemos nos livros de Marx.
Por fim, criticam aqueles que se dizem marxistas, ou simpatizam com essa teoria, por comprarem o carro do ano, por trocarem de computador, etc. Se defendem essa perspectiva com convicção teórica ou prática, é ou questão. O fato é que o marxismo não nega o consumo daquilo que é fruto do desenvolvimento da técnica. Em nenhum momento Marx afirma que deve-se, visando um sociedade mais humana, deixar de usar os bens produzidos, ao contrário, ele próprio afirma que o desenvolvimento da produção é requisito para que se possa superar o modo de produção capitalista – entenda-se, não quer dizer que uma vez desenvolvido a produção, automaticamente a sociedade capitalista se converta em socialista, mas sem este requisito, tal transformação torna-se impossível. Ademais, o problema não é exatamente 'trocar de/comprar um celular novo. Trata-se antes, de possibilitar que todos – como humanos que são – possam ter acesso a essa produção da humanidade tornada privada pela apropriação do trabalho alheio, o que para Marx, 'implica' que todos tenham acesso aos meios de produção.
Destarte, essa crítica dirigida aos 'marxistas', é desconhecedora também, do fato de que, como explica Marx nos Manuscritos e na Ideologia, não há comunismo em um só país, em um só estado, ou – como suponho pensarem estes críticos –, em um único homem. Deixar de trocar de carro como ato particular ou singular, não traz o comunismo. Todavia, o papel da mídia no fetiche das mercadorias é outro assunto e, igualmente questionável.
Esperamos que com estas poucas palavras, tenhamos contribuído com o aclaramento acerca destas distorções do marxismo, ou pelo menos, que sirvam de motivo para que os críticos ou simpatizantes procurem compreender melhor esta teoria, não ficando nos comentadores ou nas orelhas dos livros. No mais, pedimos desculpas pelas falhas, é que as vezes não dá pra separar a paixão da razão, estas falhas só podem ser esclarecidas sob o rigor da ciência, e mesmo assim, ainda existirão sob diferentes formas. Ressaltamos ainda, que este texto é um mero rascunho de sala de aula, e não um artigo científico, carecendo assim, de uma mínima esquematização do conteúdo, bem como da exposição deste.

terça-feira, 1 de maio de 2012

O Ensino religioso sob a ótica da ontologia marxiana: primeiras aproximações (Publicado na ocasião do III ENNTEFH)


O ENSINO RELIGIOSO SOB A ÓTICA DA ONTOLOGIA MARXIANA: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES1
Antonio Nascimento da Silva
gpem2@yahoo.com.br
Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central

José Deribaldo Gomes dos Santos
deribaldosantos@yahoo.com.br
Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central

  1. Introdução
Diante da atual conjuntura socioeconômica decadente, sob a qual diversas formas de violência contra a classe trabalhadora demonstram a profundidade de uma crise estrutural sem precedentes atravessada pela economia mundial, é corriqueiro nos debates acadêmicos a tentativa de explicar e contornar esse momento. Tradicionalmente, a maioria das investidas aponta para a educação (institucional) como uma saída aos problemas que vem a tona no cotidiano. Se tal conclusão é correta, decerto não haveria problemas sociais em países que séculos antes de que o Brasil dispunham de um sistema de ensino sistematizado, ou mesmo alguns mais desenvolvidos economicamente, que investiram maciçamente no setor educacional. Contudo, verificamos que a crise atual é mundial, apenas seus efeitos são mais claros nos países que orbitam na periferia do grande capital desenvolvido.
Porque então, a educação em sua forma sistemática não traz a solução para os problemas de nossa sociedade? Os motivos podem até ser relatados de forma sedutora e com requintada retórica. Os mais relevantes, contudo, não são tratados, geralmente, com a seriedade e com o método que o assunto requer. O presente ensaio quer se distanciar de tais avaliações, que quando muito, conseguem descrever o problema sem apontar as reais causas.
Nossas investigações prévias indicam ser o método de pesquisa utilizado, um dos motivos para que tais interpretações sejam distorcidas, e, portanto, apontem o complexo educativo como por um lado, o salvador da moléstia causada pelo cancro capitalista; por outro lado, as mesmas pesquisas, às vezes, além da utilização do método, junta-se também boa doze de mal caratismo, pois apenas orientam especificamente aos filhos dos trabalhadores a educação compartimentada para o exercício imediato e limitado de uma profissão que sirva sem críticas ao cultuado mercado de trabalho.
Ao se proceder mediante métodos esquemáticos, mecânicos e, ou idealistas, tem-se em consequência resultados limitados que não dão conta da complexidade da realidade educacional. Tal agir deixa de considerar entre outros, o fator religião que desempenha um papel relevante na cultura judaico-cristã, objeto particular de nossa discussão neste artigo
Nessa esteira, o presente trabalho pretende contribuir com o debate acerca das contribuições do ensino religioso dentro da atual conjuntura socioeconômica, destacando a importância da ontometodologia para entender tal relação. Procuraremos desse modo, sublinhar que apenas a partir da materialidade histórica e dialética, uma investigação pode almejar com profundeza e rigor analisar de que forma o ensino religioso se relaciona com o tecido educacional fomentado por um Estado capitalista burguês e, no caso do Brasil, atrasado.
  1. As “bases” ontológicas do desenvolvimento da religião
Seguindo as orientações de Lukács (1982) que por sua vez fundamenta-se em Marx (1859) e Engels (1979), consideramos que é partindo da anatomia do homem que se entende a do macaco. Acrescentamos ainda que ao passo que se desce ao menos evoluído, ascende-se dialeticamente ao mais desenvolvido, aclarando cada vez mais os estágios de exame. Tal premissa nos obriga, a rigor, não apenas considerar o momento atual de crise profunda, mas também estudar a gênese da relação educação-religião.
O ensino religioso é parte integrante do currículo no ensino público de nível fundamental, todavia, isso pressupõe de antemão uma religião qualquer. Esta que, por seu turno, não é produzida senão por homens que necessitam de condições materiais para existirem. Como argumenta Marx e Engels: (2005) “o primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam que haja a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material [...]”. É claro que não estamos estabelecendo aqui níveis hierárquicos rígidos, inclusive, ressaltamos, com os autores, a autonomia relativa entre esses pontos.
A religião emerge de um estado menos desenvolvido da humanidade e evolui de forma lenta e paulatina. Este processo naturalmente é contraditório e funda-se no trabalho humanoeste que é fundante do ser socialrealizado para atender e ampliar as necessidades sociais. O fato de possibilitar o surgimento e ao mesmo tempo sendo comum a todas as outras categorias é o que caracteriza o complexo do trabalho como categoria basilar. De antemão, ressaltamos que qualquer tendência em entender essa característica do trabalho através de um esquema hierárquico, distorce completamente o caráter dialético desse complexo. Destarte, como afirma Lukács,para o materialismo, a prioridade do ser é antes de tudo uma questão de fato: ser sem consciência, mas não consciência sem ser(1982, p. 19)2.
Dito isso, o homem primitivo inserido no imediato de seu cotidiano, carente de técnicas mais desenvolvidas, dado as suas necessidades e a contingência natural, procurou entender o mundo a sua volta para assim poder nele interferir. Essa relação inicial visava, sobretudo, a garantia da sobrevivência, realizando-se pela via do reflexo da natureza que o cercava. Assim, afirmamos outrora com base em nosso diálogo com a ontologia marxiana-lukacsiana que
A priori, todo esse agir do homem se deu mediante o reflexo daquilo que estava em seu entorno. Foi através da imitação do natural que nosso antepassado pode aperfeiçoar-se cada vez melhor e de forma mais abrangente ao meio em que vivia, garantindo sua própria evolução social (SILVA, 2011, p. 24).
O germe da religião tem nessa relação mimética do primitivo com a natureza – que ao mesmo tempo era trabalho (repetimos) – seu ponto inicial. Ao observar os movimentos da natureza, o homem especula sobre forças imateriais causadoras dessa dinâmica, procurando interferir nessa força, controlando-a por meio da imitação. Tal comportamento do ser primitivo diante da natureza dar-se, segundo Tylor, com base na associação de ideias:
O homem, como em uma condição intelectual baixa, veio associar no pensamento coisas que ele encontrava pela experiência conectada ao fato, procedeu erroneamente ao inverter essa ação, e ao concluir que a associação no pensamento deve envolver na realidade uma conexão similar (1920, p. 116).
Essas associações, como explica Lukács, são analogiasinsuficientemente fundadas, nas coisas, e partindo por regra geral de sua própria subjetividade (1982, p. 51).
Nesse contexto, dar-se o surgimento e consolidação do comportamento mágico primitivo. Um elemento importante para o desenvolvimento dessa forma humana de explicar e agir sobre a natureza, que ao seu turno é também possibilitada pelo trabalho teleológicoa necessidade fundada no trabalho, é a linguagem articulada. O homem primitivo acreditava existir uma relação entre o objeto e sua representação na linguagem, pensava assim, poder interferir no objeto ao mencionar seu nome. Atitude correlata dava-se, em um momento mais evoluído, com relação a utensílios pessoais e partes do corpo, como mostra Tylor,tais são as práticas pelas quais uma pessoa à distância deve ser afetada, agindo sobre algo [...] associado a ela, os seus bens, roupas que ela tem usado e, [...] os cortes de cabelo e unhas(1920, p. 116).
Mesmo sendo idealista, esta postura mágica voltava-se especialmente para a vida cotidiana do homem primitivo, nesses termos, era bastante objetiva. Ademais, em função do baixo desenvolvimento do trabalho e da técnica, a manifestação mágica do ser social para com a natureza carecia de grandes mediações e objetivações. Entretanto, tal modo de proceder foi paulatinamente perdendo validade, pois o primitivo pode perceber que ao imitar o movimento das árvores ou, ao usar a fala com a intenção de manipular os espíritos que ali agia, nenhum resultado concreto era obtido. Precisamente nesse contexto surgem as primeiras formas de religião.
A principal diferença nessa última com relação a magia é precisamente a relação do homem com o divino, com o sobrenatural. Na forma anterior o primitivo procurava controlar os espíritos, manipulá-los como ferramentas a fim de obter benefícios. Na religião a relação inverte-se. O homem especula sobre um espírito supremo que rege todos os demais e que não pode ser controlado. O homem procura agora agradar esse demiurgo, submeter-se a ele como servo para receber algo em troca3.
Para compreender a evolução do complexo da religião levando em conta o contexto da força produtiva (e apenas assim se pode ter boa compreensão), é necessário que compreendamos a dialética estrutura-superestrutura. Nesta perspectiva, Karl Marx afirma queo concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações e, por isso, é a unidade do diverso(1859, p. 13). Seguindo esse raciocínio, podemos considerar que não é coerente excluir as determinações, as singularidades ou aquilo que se nos apresenta como objetivo, imediato e prático. No entanto, da mesma forma, não devemos excluir a generalização, a totalidade.
Dessa forma, o concreto material é em última instância necessária para a conformação do pensamento, da representação. Como argumentam Marx e Engels,não é a consciência que determina a vida, mas a vida é que determina a consciência(2005, p. 52). Todavia, ao mesmo tempo em que possibilita o pensar, é possibilitado por ele, mantendo cada aspecto, entretanto, uma autonomia relativa.
Nesses termos, estava a sociedade primitiva a produzir coletivamente, ou seja, com um modelo produtivo que unia trabalho material e trabalho intelectual diretamente e, sendo executado pelo conjunto dos homens sem exceção. Como tudo era de todos no concreto real, inexistia a ideia do único, do superior. Na consciênciaobjetiva, deus também era múltiplo e diverso. Isto é, para a consciência primitiva, havia vários deuses (espíritos), dispersos pela natureza. No primitivismo coletivo não havia se quer a ideia de Direito, que esta pressupõe, por seu turno, uma sociedade de classes (LUKÁCS, 1982).
Assim como a religião, a educação primitiva dava-se segundo as condições materiais, pois como afirma Ponce, “a sua educação não estava confiada a ninguém em especial, e sim a vigilância difusa do ambiente. Mercê de uma insensível e espontânea assimilação do seu meio ambiente, a criança ia pouco a pouco se amoldando aos padrões referenciados pelo grupo” (1998, p. 18). Portanto, não dispondo de um mestre ou responsável em especial.
O aparecimento das classes, por sua vez, fundado na divisão do trabalho, altera de modo significativo tanto a produção material como a da consciência. Cabe, entretanto, destacar que a divisão do trabalho tem, a princípio, fundamentos naturais, pois como afirmam Marx e Engels, a divisão do trabalho era inicialmente “nada mais que a divisão do trabalho no ato sexual e, mais tarde, tornou-se divisão do trabalho que se desenvolve por si própria, ‘naturalmente’, em virtude de disposições naturais (força física, por exemplo), necessidades, acasos [...]” (2005, p. 57).
A partir do momento em que um grupo de indivíduos, pelos critérios acima mencionados, se abstém de trabalhar, entram em ócio, podendo com isso exercitar o intelecto de forma mais intensa que aqueles que trabalham. No Egito Antigo, como lembra muito bem Ponce (1998), o ocioso Faraó ao observar as cheias do Nilo, por exemplo, podia prever quando ele estaria adequado ao plantio. Tal característica, mesmo antes do desenvolvimento da agricultura produz substanciais diferenças.
Nesse contexto, inicia-se a segmentação entre trabalho intelectual e material, bem como o surgimento das classes antagônicas, onde uma assume papel de domínio sobre a outra. Todavia, desse momento até a atual divisão exacerbada do trabalho no quadro de crise crônica capitalista, uma enorme lacuna de tempo com inúmeras mediações e contradições.
Com tais alterações, vem a superfície a ideia de superioridade de um grupo que ordena, que comanda os demais. A produção agora é realizada por uns e aproveitada por outros. Nessas condições matérias, dar-se a produção de uma consciência que admite um deus onipotente, onipresente e onisciente, este que não pode jamais ser dominado, mas que, domina a vida de todos, principalmente daqueles que trabalham e não dispõem de tempo para refletir sobre tal condição de submissão. Apenas em tais condições materiais foi possível o surgimento e consolidação do monoteísmo, religião de “um” deus mesquinho, orgulhoso e ciumento, assim como aqueles que constituem a classe opressora.
De modo semelhante, resguardando diversas e profundas diferenças, a educação vai evoluir conforme a base produtiva. Assim, em uma sociedade de classes, a educação, diferentemente da sociedade primitiva, vai realizar-se com o pressuposto de um mestre que detém o saber absoluto, inquestionável, e que transmite a outrem passivo, em um ambiente institucional regido por regras enviadas, pré fixadas pelo interesse das classes que detêm o poder produtivo da sociedade. Sinteticamente, é sobre tais bases materiais que se a evolução dos complexos, religião e educação, que vão, cada uma a seu modo, influir na própria maneira de produzir, na própria divisão social do trabalho que foi seu pressuposto necessário primeiro.
  1. As bases do ensino religioso
Uma vez destacada em grandes linhas a base sobre a qual se desenvolve todos os complexos sociais e, de modo específico para nosso propósito, a religião e a educação, traçaremos agora considerações sobre os fundamentos do ensino religioso. Procuraremos, ainda, identificar neste, traços essenciais da religião em si.
Como consequência do que afirmamos antes, é possível, no limite, que não haja ensino de religião, mesmo havendo uma religião. Todavia, não pode haver um ensino religioso sem que haja antes uma religião. A partir do momento em que se tem a última, assim como na relação do trabalho com os outros complexos, ensino religioso e religião vão ambos, influenciar-se reciprocamente. Mesmo que um deles possa preponderar sobre o outro, assim como no caso da estrutura para com a superestrutura, tal fato não exclui, mas sim, confirma a dialética presente nessa relação.4
Os principais representantes da sistematização das ideias religiosas no cristianismo são respectivamente, Santo Agostinho (354-430) e Santo Tomás de Aquino (1225-1274). Estes (destacadamente o último), apropriando-se da lógica aristotélica, levaram a cabo o “fechamento” da teologia cristã. Devemos ressaltar, entretanto, que o pensamento religioso dominou a sociedade desde o primitivismo mágico, até o momento que coincide com as grandes revoluções, o surgimento da ciência dita moderna e a alteração nas forças produtivas.
Assim como o pensamento mágico primitivo, a religião moderna é em linhas gerais, idealistas, e, como agravante, é menos objetiva que a magia. Tais características evidenciam-se na concepção de um deus, na conformação de dogmas eternos e em viver em função de um momento depois da morte. Entretanto, é necessário expor tais características partindo daqueles autores, que como dissemos, são os expoentes do pensamento cristão sistematizado.
Santo Agostinho foi adepto do platonismo, isso, por si mesmo, denota o idealismo no qual estava imerso. Contudo, para exemplificar melhor, em diálogo com Bertrand Russell (1969) afirmamos outrora quePara esse homem os recém nascidos são, sem meios termos, prolongamentos de satanás. Nota-se, entretanto, sem maiores esforços o grau de dogmatismo no qual estava envolto essa ilustre figura eclesiástica(SILVA, 2011, p. 45). Percebe-se de antemão, o distanciamento de Agostinho com relação a Platão. Este último mesmo sendo idealista, ao que se sabe, não chegou a tamanho absurdo.
O Malleus maleficarum, documento oficial que identificava os tipos de bruxas, seus malefícios, bem como o castigo adequado a cada uma delas, tudo construído sob a mentalidade cristã medieval, a mesma que produziu a teologia até hoje aceita como verdade. Neste trabalho, entre outras coisas, lemos que as bruxas podem, sem contato físico, causar a morte, e ainda, que estas oferecem seus filhos aos demônios e causam todo tipo de males (KRAMER e SPRENGER, 2011). Com base em tal obra do pensamento cristão, como afirma Nogueira (2004), procederam-se inúmeras carnificinas, como a queima de dezenas de crianças na Alemanha por suspeita de que seus pais tivessem participado de rituais satânicos.
Santo Tomás de Aquino, por seu turno, empenhou-se em provar a existência de deus com base na lógica aristotélica e, tratando sobre existência e essência de um suposto deus, Aquino, como já escrevemos diz: “primeira é conhecida pelo homem através das manifestações divinas na natureza, por outro lado, a segunda, apesar de existir, não se pode tomar compreensão desta por aquela” (SILAV, 2011, p. 47). Aquino usa ainda o seguinte raciocínio aristotélico:
há coisas que são somente movidas, e outras que tanto se movem como são movidas. Tudo que é movido é movido por algo e, já que é impossível uma regressão eterna, devemos chegar a alguma parte em que algo move as outras coisas sem ser movido. Este motor imóvel é Deus (1969, p. 170).
Destacamos que, ao contrário de Aristóteles, em que o mesmo argumento conduzia a vários deuses, na versão apresentado por Aquino, chega-se apenas a um único deus. Todavia, este é apenas parte do argumento ontológico de Santo Tomás de Aquino. Sobre isso devemos atentar que, tal argumento é a priorístico, ou seja, não tem por base a experiência e, os que não seguem essa lógica, baseiam-se em escritos bíblicos, deixados por apóstolos supostamente iluminados.
Na principal obra de Santo Tomás, a Suma Teológica, estão reunida todos os argumentos em defesa da existência de deus, e em consequência, aspectos que revelam o idealismo em particular desse eclesiástico e, em geral, da teologia cristã. Ao discutir sobre a necessidade de umaciência divina, a doutrina sagrada, Aquino diz:Para a salvação do homem, é necessária uma doutrina conforme à revelação divina, além das filosóficas, pesquisadas pela razão humana. Porque, primeiramente, o homem é por Deus ordenado a um fim que lhe excede a compreensão racional(1941, p. 9).
Adiante, procurando demonstrar que a doutrina sagrada é uma ciência, Santo Tomás argumenta: “É só uma ciência a doutrina sagrada. Pois, da potência, como do hábito, deve-se determinar a unidade pelo respectivo objeto, considerado na idéia formal e não materialmente” (2011, p. 12).
Não pretendemos focar em uma análise da Suma Teológica, bem como não queremos negar a importância desta como uma instigante fonte de reflexão em geral. De modo semelhante, são inegáveis as contribuições de Aristóteles, sobre e através delas, e entre outras, se ergueram Hegel e Marx, por exemplo. Entretanto, como temos enfatizado, inclusive usando as próprias palavras de Aquino, seus escritos são destacadamente idealistas, tratam sobre revelações divinas, sobre o destino dos homens posto nas mãos de um demiurgo. Para dar uma aparente consistência ao seu idealismo, utiliza-se da lógica mecanicista de Aristóteles, com a qual pretende explicar a existência de deus seguindo uma esquemática igualmente rígida.
Como expomos na última citação, Aquino confunde ciência com doutrina, e, avançando ainda mais, põe a unidade na ideia formal, pretendendo tirar esta de seu solo material e acaba, com isso, fugindo enormemente da dialética.
É precisamente sobre essas bases que vão se constituir as diretrizes do ensino religioso cristão, com pressupostos transcendentais não condizentes com a realidade que é material e concreta. É esta realidade que importa definitivamente nas relações sociais. Dessa forma, esta ‘falsa ciência’ chamada de teologia, põe sim, o educando a pensar, a refletir, como já colocamos. Porém, por ver o mundo de cima para baixo, por ser idealista, mecânica e formal, tal modo de pensar foi dialeticamente superado primeiro por Hegel e, em seguida aprofundado por Marx.
Dito isso, adiante, buscaremos compreender, de forma mais aproximada, a relação do ensino religioso dentro da educação formal. Essa análise é fundada nas bases acima colocadas e considerando o modelo de Estado capitalista ao qual estamos inseridos, dando ênfase ao contexto brasileiro.
  1. Ensino religioso e educação: um breve recorte no contexto de capitalismo atrasado brasileiro
Para atingir o momento atual, o capitalismo, desde seu estabelecimento sofreu várias mudanças. Contudo, nenhuma arrancou seu caráter individualista e sua busca inexorável pelo lucro. Várias foram as mediações que o conduziu ao estágio atual. Apenas uma extensa análise através da história pode fornecer a necessária compreensão do atual modelo produtivo. Lamentamos, em virtude do caráter desse trabalho, a impossibilidade de um adequado trato aos aspectos históricos. Poderemos apenas destacar, em grandes telas, suas bases, bem como algumas das características que o torna singular.
De antemão, como expusemos no início desta comunicação, o trabalho é fundante para os demais complexos sociais. Assim, o capitalismo, grosso modo, é possível apenas com o trabalho. Todavia, como é evidente, tanto o trabalho abstrato como o trabalho particular, dentro do modelo capitalista são diferentes daquele que sublinhamos a respeito do primitivismo coletivo. A relação de domínio entre as classes expropriou da classe dominada as ferramentas, o processo e o fruto do trabalho.
Tratando sobre alienação do trabalhador e do processo de trabalho na sociabilidade burguesa, Marx diz:quanto mais o trabalhador produz menos tem de consumir; [...] quanto mais civilizado o produto, mais desumano o trabalhador(2006, p. 113). Nesse regime, apenas tem valoraquiloque consome, ou que produz. Nesses termos, o capitalismo destruiu toda forma de sentimentalismo, de relações familiares, de apreciação humana do mundo (MARX e ENGELS, 2006). Tudo isso, em troca do lucro.
Erasmo de Roterdã, tendo presenciado apenas o anúncio da nova ordem que se estabeleceria séculos depois, deixou-nos uma reflexão que expressa antes de tudo, o próprio capitalismo:a mais louca e desprezível das classes humanas é a dos comerciantes. Escravizados por vil amor ao lucro, empregam para satisfazê-lo os meios mais infames(1982, p. 85).
Uma vez estabelecido, o capitalismo fundado na exploração do homem pelo homem, a classe que detém o capital e que consequentemente domina, esforça-se por convencer, através de aparelhos ideológicos de que tal forma de relação é a única possível. A formação de um Estado, nesse caso, não é mais que a constituição de um grupo administrador dos interesses dos capitalistas. Tal grupo, apoiado pelo Direito, por exemplo, igualmente constituído segundo os interesses de uma classe, cuida para que suas ideias sejam os anseios da coletividade, mesmo que tais ideias se choquem claramente com a realidade daqueles que são explorados.
Fazer com que as perspectivas de uma classe sejam aceitas de forma universal é necessário a qualquer grupo que aspire à dominação, pois como esclarece Marx e Engels, “toda classe que aspira à dominação [...] deve primeiro conquistar o poder político, para apresentar seu interesse como interesse geral” (2005, p. 61). Foi isso que a classe burguesa fez com relação ao mundo feudal. Contudo, a classe oprimida pelo capital, mesmo inicialmente precisando do poder político para representar suas ideias como as da coletividade em geral, aponta para um rumo completamente diferente daquele pregado e mantido pela classe burguesa.
Isso ocorre porque as pretensões da classe dominada: a classe trabalhadora, são, ao contrário da classe burguesa, legítimas. E a prova esta no simples fato de que o trabalhador deve ser dono do seu próprio trabalho, bem como de seu produto. Ao contrário, a burguesia usufrui dos lucros do trabalho alheio, vive como parasita as expensas do esforço do outro.
Entretanto, temos consciência das várias mediações a respeito da consolidação de uma proposta revolucionária da classe dominada, tal como expõe o marxismo. Compreendemos que o desenvolvimento da produção que em parte alimentou o capitalismo e foi alimentada dialeticamente por este, é necessária para que haja a superação do atual estágio em que se encontra a humanidade. Não pretendemos aqui, entrar em tais detalhes, embora sejam eles importantes para a compreensão do conjunto. Queremos tão somente ressaltar em linhas bastantes gerais, traços essenciais da sociabilidade burguesa, bem como compreender a sua necessidade de reproduzir-se como última possibilidade, engessando a história.
Um dos meios pelo qual o Estado burguês busca reproduzir-se é através da educação. Esta que, dado os pressupostos necessários do sistema, transformou-se em um mercado promissor, uma mercadoria que será como tal, defendida pelo Estado. Este vende uma educação conteudista para a classe exploradora enquanto fornece uma educação voltada exclusivamente para a manutenção da mão de obra necessária para manter a exploração. Nesses termos é que assinalamos em outro momento que
para o modelo capitalista de produção, a universidade pública é encarada como anacrônica e dispendiosa. Mesmo sendo não-privada,legalmenteo Estado procurará meios o quanto forem possíveis para tornar esta (educação) útil ao capital, mesmo que por dentro da esfera pública. A educação é assim, manipulada a serviço do bloco hegemônico (SILVA, 2011, p. 66-7).
Como sublinhamos aqui, o modo de produção, a estrutura material que, é pressuposto necessário para as superestruturas, vai refletir-se nestas últimas, comprovando a dialética social. Isto é, dado a forma de sociabilidade burguesa, baseada na exploração, na busca indiscriminada pelo lucro, na falsa alegação de liberdade universal (como prega o capitalismo), a educação terá como meta reproduzir tais valores, estes que justificam e legitimam o capitalismo como o fim da história.
Todavia, ressaltamos que, dado a autonomia relativa da superestrutura, a educação institucional, mesmo sujeita aos desígnios da classe exploradora, é contraditória, permitindo a reflexão e a crítica à essência de sua própria fundamentação ideológica e material.
Tendo a educação capitalista atual, mesmo contraditoriamente, a característica de propagação de uma ideologia dominante e, estando a serviço da burguesia via administração de seu Estado capitalista de produção, com a intenção de justificar a situação de exploração, cabe-nos, entretanto, como anunciado, entender a atuação do ensino religioso dentro desse contexto.
No contexto brasileiro, tanto a educação institucional (apenas esta nos interessa aqui), como de modo particular o ensino religioso, estão previstos na constituinte. O último, por sua vez, tem ainda as orientações confessionais do Conselho Nacional dos Bispos no Brasil (CNBB) postas em um documento, não tendo o educador, qualquer obrigação de utilizá-lo. Porém, nos é lícito citá-lo, haja vista que ele traz exatamente a perspectiva da igreja católica (cristã) sobre o ensino religioso.
O artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96 traz o seguinte texto:o ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis. No ano seguinte, uma alteração tornou-o oneroso aos cofres públicos, o que reflete no cenário brasileiro, a disputa entre protestantes e católicos, que os primeiros estariam mais propensos alecionara doutrina cristã nas escolas sem um quantitativo de dinheiro mensal.
Adiante exporemos brevemente, os reais motivos para o ensino religioso ser, como tal, assegurado por lei em um Estado que se diz laico. Antes, porém, devemos tecer considerações sobre a proposta da CNBB, onde encontramos a seguinte redação:
O ensino religioso não pode deixar de ser iluminado pela teologia, porque o objetivo que ele tem é educativo. É oferecer aos educandos possibilidade de se desenvolverem como pessoas integradas e participantes na construção de um mundo diferente [...] e um mundo assim só é possível enquanto a criação e a história estiverem voltadas para um sentido transcendente, atentas às aspirações humanas (CNBB/REGIONAL SUL III, 1996).
Certamente, o ensino religioso não pode desligar-se absolutamente da teologia, pois ambos têm como condição inicial para existirem, a ideia da existência de um deus. É isso que liga a teologia com a religião e o ensino religioso, e não, como diz o texto citado, pelo fato do ensino religioso ser educativo e formar pessoas íntegras. Ademais, como vemos expondo, estando a teologia fundada sobre o misticismo, idealismo e preconceito do pensamento cristão medieval, é suspeitável uma integridade provinda de tal fonte.
Tais traços vão naturalmente refletir no ensino religioso, pois como esclarecemos, este não se desliga completamente da teologia e da religião mesma. Dessa forma, o ensino religioso vai desenvolver-se sobre pressupostos idealistas e reacionários, pois a religião funda-se sobre a fé, o doutrinamento. A própria teologia que se pretende ciência como temos afirmado, sustenta-se nas revelações daqueles iluminados profetas, acrescentando-se a isso a lógica idealista e mecânica de Aristóteles que, repetimos, representou um grande avanço, mas que muito foi superada dialeticamente.
Dessa forma, assim como a religião e a teologia não dirigem jamais críticas à deus, semelhante se com o ensino religioso. Contudo, estando esse dentro da sociabilidade burguesa, do modo de produção capitalista que é pano de fundo para todas as relações sociais, mantendo seu caráter reacionário, idealista de por o fim em um deus transcendente, vai, não apenas deixar de criticar seu fundamento transcendente (que é material), mas também, por sua própria natureza, negar ao homem a transformação da sociabilidade corrente.
Por isso, nenhum movimento religioso que se pretende revolucionário, pode de fato levar a cabo a transformação da sociedade, quando muito, conseguirá recuperar alguns viciados e doar algum alimento a poucas famílias miseráveis. Alegando que as coisas estão assim porque deus quer. O contrário dessa postura, como temos explicado, exigiria negar a ideia de um deus todo poderoso, que de antemão determinou todo o destino da humanidade. Tal proceder seria, entretanto, uma evidente contradição para o pensamento religioso.
Esclarecidos tais aspectos do ensino religioso, podemos agora, verificar que este choca-se com a própria proposta de educação do Estado burguês, que contudo, o legitima, denotando as enormes contradições do capitalismo. A LDB 9394/96, explica que a educação institucional deve primar e basear-se, pela e na ciência. Entretanto, o conteúdo do ensino religioso, bem como sua fundamentação, pressupõe doutrinamento e fé, aspectos que se distanciam de uma ciência autêntica.
Ademais, a contradição revela-se ainda no fato de que a religião é antropomórfica e transcendental, pretende conhecer o mundo a partir dos preconceitos humanos baseados em um deus transcendente. Oposto a isso, a ciência autêntica, é desantropomórfica, busca ler o mundo a partir dele mesmo, em toda a sua real concretude, sendo assim, imanente. Para esta ciência, as causas que fazem uma semente germinar crescer e dar frutos, são em si, ou fora dela, independentes da vontade do homem, ou seja, material. Ao contrário, para a religião (conteúdo do ensino religioso), mesmo admitindo traços materiais, colocam como causa última, um deus.
  1. Considerações finais
Com base na exposição apresentada, podemos tecer, sinteticamente, notas conclusivas parciais sobre a questão. Contudo, queremos antes desatacar que este trabalho não merece outro mérito se não o de tentar promover um debate mais profundo sobre tema. Haja vista que os aspectos aqui tratados exigem, por seu turno, um longo estudo, não se limitando a algumas laudas de reflexão.
Como procuramos deixar sobrescrito, a religião, e de modo específico a cristã, é fundamentalmente idealista e reacionária, opondo-se dessa forma ao processo histórico e social, que é por si mesmo, de mudança constante, mesmo que em alguns casos lenta; de transformação dialética contraditória e paulatina, mesmo que para os olhos da burguesia a história tenha se fixado em um ponto final. Para exemplificar esse caráter, citamos, resumidamente, reflexões da sistematização do pensamento cristão, nos pensamentos de Santo Agostinho e de Santo Tomás de Aquino.
Paralelo a isso, sublinhamos que é pretensão da classe exploradora manter-se explorando, no ócio, enquanto os explorados trabalham em troca da própria existência miserável. Para manter essa lógica, a classe dominante dispõe do Estado para defender seus interesses e os legitimar, procurando através de instrumentos ideológicos reproduzir o estatus quo. Para tal, a educação, moldada por esse mesmo Estado capitalista, no caso brasileiro anacronicamente atrasado apesar de ser contraditória e ter relativa autonomia, tenciona disseminar a ideia de acomodação, de reprodução.
Sendo esses os interesses da classe burguesa, legitimados pelo Estado brasileiro comandado por uma elite anacronicamente atrasada (OLIVEIRA, 1998) que procura via educação institucional garanti-lo ideologicamente; o ensino religioso, baseado nos pressupostos acima destacados, sendo por isso, reacionário e idealista, corrobora claramente com o propósito burguês que rege a sociedade atual. Desse modo, o ensino religioso, contribui com a reprodução dessa sociabilidade baseada na exploração do homem pelo seu semelhante. Seu conteúdo transcendente é útil à burguesia, pois mascara a realidade concreta e desumana na qual, quem por direito deveria desfrutar da produção universal, é dela afastada.
O discurso burguês conservador brasileiro aponta o modo capitalista de produção como sendo o limite, e que tal situação é inalterável e independe do homem, negando assim a história. A religião por sua vez, se abstém de resolver os problemas, pois eles são obra de deus, e apenas a deus cabe a solução. Assim, caminha o pensamento cristão. O ensino religioso, por sua vez, reflete esse posicionamento dentro da educação formal.
Contudo, não negamos que procurando a teologia demonstrar a existência de deus segundo um procedimento lógico, promove, mesmo que dentro de muitos limites, o exercício da reflexão. Entretanto, o ensino religioso tal como se processa nas escolas, desconhece o núcleo racional e lógico da teologia. Com isso, na prática, o ensino religioso limita-se apenas a doutrina cristã, o que reduz no educando a possibilidade de refletir inclusive sobre aquele próprio conteúdo, procurando racionalmente associá-lo a realidade. Tal característica reduz ainda a contradição geral no solo educacional, contribuindo assim, para ampliar a perspectiva reacionária da educação burguesa.
Ressaltamos ainda que a história da evolução da religião de modo geral, é inegável e, constitui-se como um conjunto de conhecimento que é patrimônio da humanidade. Como tal, deveria ser trabalhado dentro da escola formal, de forma não confessional, mas material e dialética, tal como de fato o é.
Por enquanto, queremos salientar que a discussão das questões postas aqui resumidamente, bem como a compreensão destas em sua real amplitude, é autêntica apenas quando realizada tendo como método a ontometodologia. Apenas procedendo-se a uma análise do conjunto, em dialética constante entre universal e singular com a mediação do particular podemos criar a possibilidade de compreensão real dos fatos, que possa ser levada a cabo por homens reais. Como afirma Lukács sobre a estética,somente o materialismo dialético e histórico, encontra-se em condições de elaborar um método histórico-sistemático para a investigação de tais problemas(1982, p. 34).
Ademais, a extrema divisão do trabalho, a segmentação da sociedade em função disso, da forma como é exposto pelo pensamento burguês, assume caráter sagrado e isolado do processo histórico dos homens. Afirmam eles que o homem é um animal por natureza individual. Em contraponto, Marx diz que o homem é um animalque na sociedade se pode individualizar(1952, p. 2). E ainda na mesma esteira, Lukács afirma queo materialismo dialético considera, pelo contrário, a unidade material do mundo como um fato indiscutível(1982, p. 36). Contudo, se isso ainda não basta para ilustrar a importância do método para compreensão desses complexos como uma unidade, basta que tentem, os burgueses idealistas e mecanicistas, se for possível, tirar da sociedade o trabalho, ou o trabalhador.
1 Este trabalho é fruto de reflexões realizadas na pesquisa monográfica realizada pelo primeiro autorsob a orientação do segundo, que se realizou entre 2009 e 2011.
2 A tradução da Estética de Lukács, bem como da obra de Tylor, é livre e de nosso próprio punho.
3 Do momento de desligamento da religião com relação à magia até as formas religiosas monoteístas, decorre um longoperíodo de tempo. Em virtude da natureza desse trabalho, deixaremos de especificar detalhes importantes dessedesenvolvimento. Entretanto, não podemos deixar de aclarar sinteticamente as linhas mestras sobre as quais evoluiu aideia de deus, bem como de sua manifestação religiosa.
4 O ensino religioso tem suas bases na própria religião (dito genericamente). No nosso caso, por motivos de recorte paraesta exposição, apreciaremos o cristianismo, e de modo mais restrito o catolicismo.


REFERÊNCIAS
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