quarta-feira, 16 de junho de 2010

AS CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE RELIGIÃO PARA A FORMAÇÃO DA “CONDUTA” DO HOMEM INTEIRO

Governo do Estado do Ceará
Secretaria da Ciência Tecnologia e Educação Superior
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central – FECLESC
Curso de Pedagogia


Antonio Nascimento da Silva



AS CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE RELIGIÃO PARA A FORMAÇÃO DA “CONDUTA” DO HOMEM INTEIRO


Quixadá/CE 2010
INTRODUÇÃO
Crescer numa estrutura familiar de caráter religioso pode levar um individuo a ter uma visão restrita, particular e destorcida de mundo. No entanto, sempre procurei ver a questão religiosa com olhos não de um crente fiel, mas sim procurando compreender uma lógica em toda aquela estrutura, buscando seus fundamentos racionais, já que observava que a religião estava em todos os momentos influenciando como fator determinante as ações da minha família. Tornou-se para mim, extremamente importante, ao ingressar na universidade e ter acesso a outros conceitos, analisar em que se funda, a quem beneficia e se realmente traz benefícios como, por exemplo, ser humanamente mais solidário e agente de paz. Com as ferramentas científicas, resolvi então, voltar à atenção a um dos meios que a religião usa para se propagar, a educação escolar, pois através da disciplina de ensino religioso as escolas apresentam aos seus estudantes a doutrina religiosa.
Ao ingressar na Universidade, no meu caso o curso de pedagogia, dá-se início a várias leituras sobre problemas relacionados à educação de forma mais geral, e especialmente questões relacionadas ao ensino no Brasil. Estudam-se diversos teóricos com variado posicionamento sobre o que seria a educação de qualidade, entre essas várias concepções, depara-se freqüentemente com a questão do ensino laico.
Paralelo às leituras acadêmicas, observei algumas aulas de religião na Escola de Ensino Fundamental e Médio Nossa Senhora de Lourdes, no distrito de Serra do Vicente, localizado no município de Capistrano . Esse momento de observação realizou-se em sala de aula de forma passiva com o único intento de perceber quais valores são trabalhados com os alunos pelo educador na aula de religião. A partir dessas observações passei a refletir sobre a necessidade e a importância do ensino de religião dentro da escola. É dessa reflexão que surge a idéia da presente pesquisa.
Diante das circunstâncias em que se vive, onde inúmeros fatores interferem na qualidade da educação recebida, uma sociedade que, apesar de admiráveis avanços científicos culturais e de produção material, sofre fortes influências de dogmas religiosos em diversos setores como, por exemplo, política e educação. No que se refere a educação, precisa-se de uma atenção especial, pois ela corrobora decisivamente a formação da conduta de vida dos indivíduos.
De tal maneira, o presente trabalho torna-se importante, pois se propõe a aclarar a influência religiosa, destacadamente, a do cristianismo, sobre a educação escolar através da disciplina de ensino religioso.
Para atender essa empreitada é preciso compreender bem a doutrina cristã, saber como ela está contida dentro do conteúdo do ensino religioso e como os profissionais de educação estão trabalhando tal aspecto na escola. A didática, forma e conteúdo de como se transmite esses saberes também influencia muito o resultado do processo final da educação escolar. Pode-se até questionar se o ensino de religião pode se desvincular dos princípios básicos do cristianismo. Para tal questão, a pesquisa buscará resultados, os mais claros possíveis, pois precisa-se elucidar, embora de forma sintética, questões cruciais sobre como a educação pretende orientar a vida dos “homens inteiros” segundo uma doutrina baseada em religião.
Farei a opção de entender a relação religião educação a partir do entendimento que tem Lukács sobre o “homem inteiro”, ou seja: da pessoa que vive na cotidianidade, a qual, dito graficamente, está orientado, a realidade com toda a superfície de sua existência (1982, p. 79). Em relação a este, o autor desenvolve o conceito de “homem inteiramente”, que seria a titulo de exemplo, o cientista, o artista ou o desportista por conseqüência de suas objetivações superarem em grau de complexidade as vividas no cotidiano pelos homens inteiros. Todavia, apesar da aparente distância entre as duas categorias, deve-se entender que a “cotidianidade” é em última instância, o princípio do qual deriva dialeticamente todas as outras estruturas da sociedade. Entendendo sempre o trabalho como o ato fundante do ser social. Para começar a entender melhor essa questão, o próprio Lukács (1982, p. 11), esclarece:
[...] Se nós representarmos a cotidianidade como um grande rio, pode ser dito que nele se desprendem em formas superiores de recepção e reprodução da realidade, a ciência e a arte, e essas se diferenciam e se constituem na dependência de suas finalidades específicas, e alcançam forma pura nessa especificidade – que nasce das necessidades da vida social – para daí então, em consequência de seus efeitos, de sua influência na vida dos homens, desembocar novamente na correnteza da vida cotidiana. Essa, por sua vez, se enriquece constantemente com os resultados superiores do espírito humano, os assimila a suas necessidades cotidianas práticas, dando assim lugar a questões e a exigências que originam ramificações de formas superiores de objetivação .
Considerarei a religião e a educação dentro desse movimento. Sendo que a primeira destaca-se da “vida comum”, entre outras coisas, por vincular elementos transcendentes gerais à realidade, modificando-a de certa forma. No caso da segunda, na sua forma institucionalizada, ter-se-á como um espaço de contradição, onde, em decorrência de seu lugar na hierarquia, privilegia uma ideologia de reprodução do estado. Sendo assim, enquanto instituição escolar constitui-se como espaço dialético que pode vir a conferir ao homem comum, o caráter elevado de homem inteiramente. Muito embora, considero o que argumenta Lukács, (1982, p. 80).
[...] A grande escala de matizes de transição não produz a superação da contradição. Acreditamos inclusive que com ela não somente clareia a necessidade da intricação pela qual o comportamento do homem inteiro passa ao do “homem inteiramente”, mas que, ademais, precisa-se da fundamentação deste naquele, sua recíproca fecundação e elevação evolutiva.
Nesses termos, e de modo geral, a escola será vista como fruto da cotidianidade, que por sua vez a enriquece, como um momento de superação da distância entre o homem inteiro e o homem inteiramente, através desse fluxo contínuo impelido por necessidades sociais. Em partes, o mesmo se da com a religião, trazendo segundo seu ponto de vista novos elementos que reorientam a cotidianidade de determinados grupos sociais.
Considerando que a pretensão do ensino religioso, é ensinar seus preceitos morais aos educandos, julgando-se ser esses preceitos os corretos e que estão de acordo com a vontade divina, é proveitoso a reflexão sobre em que realmente consiste a doutrina cristã. A partir de tal reflexão, mostrar em que realmente esses ensinamentos vão contribuir na vida das pessoas, em seus futuros relacionamentos pessoais e com a sociedade de modo geral. Sabe-se que a religião é um fenômeno cultural que influencia decisivamente o cotidiano das pessoas. Portanto, é preciso avaliar as conseqüências desse fenômeno no âmbito da escola, a partir de uma análise da real função da escola, para partindo daí, construir uma avaliação real sobre a necessidade ou não do ensino religioso escolar. Destarte, o presente trabalho se mostra importante, pois buscará explicações sobre questões de grande relevância na vida dos indivíduos, esclarecendo e desmistificando o que até então é tido como essencial para a vida do “homem inteiro”.
Um dos fenômenos culturais mais antigos que se conhece são as manifestações religiosas. Desde suas formas mais primitivas quando estas ainda fundiam-se com a magia e tinham um caráter essencialmente evocativo, onde o homem acreditava que tudo na natureza era dotado de um espírito, estes seriam responsáveis por todo o movimento da natureza circundante. Exemplificando, havia o espírito das águas, o das plantas, o das pedras, enfim tudo sobre a terra teria um espírito. Félicien Challaye (1981, p. 32), se referindo a tal tipo de crença, com base no Etnólogo inglês Tylor, diz ter sido este o criador, na segunda metade do Século XIX, da teoria do animismo. Embora mais tarde esse nome tenha caído em desuso por não representar em essência este fenômeno religioso tribal. Essas primeiras formas religiosas entendiam o homem dentro de uma lógica universal, como se deus estivesse presente em todos os atos humanos, o próprio homem tornava-se uma extensão do divino. É o que afirma Karen Armstrong, (1994, p. 21), “o primeiro homem fora criado da substância de um deus: portanto, partilhava da natureza divina, por mais limitada que fosse a forma. Não havia fosso entre os seres humanos e os deuses”. Por essa relação mágica e constante com deus ou os deuses, essas formas religiosas são tidas como cosmológicas.
Tão antigo quanto às manifestações religiosas é o fenômeno da educação, pois as práticas religiosas não eram transmitidas de geração em geração se não por meio da educação dada pelos mais velhos. Importante destacar que educação nesse contexto difere do sentido moderno, institucionalizado. Anibal Ponce ao tratar sobre a educação da criança nesse estágio primitivo da humanidade, diz que “a sua educação não estava confiada a ninguém em especial, e sim a vigilância difusa do ambiente. Mercê de uma insensível e espontânea assimilação do seu meio ambiente, a criança ia pouco a pouco se amoldando aos padrões referenciados pelo grupo” (1998, p. 18).
Da crença nos espíritos em tudo quanto existisse na natureza, o homem passou para a crença em um determinado número de deidades. Porém, esse período transitório não se deu de forma instantânea, processou-se em várias etapas, estando estas extremamente ligadas a maneira como o homem relacionava-se com o mundo concreto a sua volta, assim como todas as outras categorias além da religião. Possibilitando assim, diversas formas religiosas intermediárias em um longo período de tempo. Os egípcios antigos adoravam vários deuses como, por exemplo, Anúbis, Amon, Hórus, Ísis, Osíris, Rá entre vários outros. Cada um deles com suas atribuições particulares. A essa forma religiosa denominou-se politeísmo.
Outros povos na antiguidade tiveram destaques no aspecto religioso, no entanto, o motivo pelo qual me refiro aqui de modo especial ao Égito, é tão somente por este apresentar um panorama consistente da evolução da religião através de mais de quarenta séculos. Além desse aspecto, a religiosidade dos egípcios se mostrava mais intensa que as demais. Foi no Egito antigo que surgiu o tipo de religião predominante hoje, o monoteísmo. O faraó Akhenaton ou Amenófis IV da 18ª dinastia instituiu a primeira forma de monoteísmo que se conhece, ele decretou que seu povo deveria adorar apenas Aton, o deus solar. Após o reinado de Amenófis IV o Egito voltou a sua forma religiosa anterior, o politeísmo, mas a idéia do monoteísmo sobreviveu e reviveu tempos depois.
Pode-se ver o judaísmo como a segunda manifestação religiosa monoteísta, pois começa a se consolidar após a invasão do reino setentrional pelos Assírios em 722 a.C. (RUSSEL, 1969). Mesmo assim, antes de uma religião definitiva, os judeus ainda cultuavam outros deuses. É o que escreve Bertrand Russel, (1969, p. 7), “javé era, a princípio, um deus tribal que favorecia aos filhos de Israel, mas não se negava que havia outros deuses”. Hoje, o monoteísmo é a forma religiosa dominante, pois as três maiores religiões do planeta são monoteístas: cristianismo, islamismo e judaísmo. Porém, as religiões politeístas não se extinguiram, existem várias espalhadas por todo o mundo como exemplo, vale lembrar a Índia e o Japão. Às vezes duas ou mais dessas religiões cultuam as mesmas divindades variando apenas quanto à importância atribuída a alguns desses deuses.
A priori, todas essas manifestações religiosas parecem bem distintas, mas há algo de comum a todas elas, sejam as politeístas ou as monoteístas. Todas essas formas religiosas têm igualmente ou não um conjunto de regras, de normas, de princípios a serem adotados por seus seguidores. O não cumprimento de tais princípios é gravíssimo e, dependendo da religião, acarreta várias punições.
O conjunto de “normas” de uma religião constitui o seu corpo ético, esse corpo ético diz como seus seguidores devem viver. Sendo assim, seja qual for a religião, essa influenciará moralmente os indivíduos. Nas formas mais primitivas de religião – que aqui me referirei pelo termo animismo –, o homem preocupava-se em acalmar os espíritos das florestas, das águas, para que esses espíritos não os causassem mal algum, de forma evocativa, os primitivos buscavam a proteção dos espíritos e a imunidade frente às ásperas forças da natureza circundante. No Egito antigo, o deus responsável por levar a alma do morto até Anúbis era “agradado” por todos, pois ninguém queria que, por falta de respeito e de culto a esse deus, sua alma não fosse entregue a Anúbis que era o deus dos mortos e guardião da Necrópole. Como visto, a religião, através da formação da conduta do homem inteiro, interfere nas esferas da vida cotidiana?
Toda essa variação de deuses cultuados, por motivos “políticos” e outros que não podem ser postos aqui, aos poucos foram tomando formas mais reduzidas, isso seria o início do caminho para chegar ao momento onde não haveria mais que um deus a quem dedicar os templos e as orações. Embora, isso não implique na extinção por completo da forma religiosa anterior, e sim, apenas um enfraquecimento desta perante a sociedade.
O monoteísmo cristão, que será destaque no presente trabalho, ao que parece, em seus primórdios obteve seu estado de religião com um único deus partindo da arbitrariedade de homens. Pois de acordo com Bertrand Russel (1969, p. 10), “Déutero Isaías, é o mais notável dos profetas. É o primeiro que se refere ao Senhor como tendo dito: não há outro Deus se não eu”. Comparando essa manifestação religiosa com outras, encontrar-se-á tanto religiões politeístas como monoteístas muito mais antigas do que a professada pelo cristão. Eis um dos fatos que nos prende a atenção e torna importante uma melhor aproximação para fins de entendimento sobre esse tipo de culto.
A doutrina cristã propriamente dita fortaleceu-se com o nascimento de Jesus Cristo. Porém, a base que culminaria nessa forma religiosa já existia, ainda que de forma embrionária há muitos anos antes da vinda do “Menino Jesus” . A principal literatura dos cristãos, qual seja, a Bíblia Sagrada, traz de forma clara a divisão desses dois períodos. Este texto sagrado divide-se em Antigo e Novo Testamento. O primeiro tem ainda traços marcantes de uma visão cosmológica de deus, embora consista em um momento transitório e não se compare as formas primitivas como, por exemplo, o xamanismo, onde essa característica de um deus que é parte integrante de toda a natureza é única, portanto, dominante.
Uma característica marcante dessa fase de gênese do cristianismo é a relação dos homens para com deus, uma relação que se dava absolutamente por meio das revelações feitas aos profetas. Estes eram responsáveis por passar o conteúdo desses momentos iluminados ao “povo comum”. Outro ponto que merece destaque é a situação oposta, de deus para com os homens. Essa relação é muitas vezes alvo de crítica, já que consistia em um deus bastante severo com aqueles que ousassem contrariar o que este transmitia por mediação dos profetas. No segundo período, a relação deus-homem muda consideravelmente em comparação com o momento anterior, primeiro por que, os ensinamentos são proferidos principalmente pelo próprio filho de deus, em pessoa. A doutrina que este traz ao cenário religioso é a doutrina da salvação pelo perdão dos pecados. De acordo com a tradição cristã, ele veio para libertar, para semear paz. Não é um deus de vingança, de condenação como se percebe no Antigo Testamento. O próprio Jesus Cristo, como se registrou na história, era homem politizado, sábio e com forte poder de liderança.
Com esse evento, a religião começa a se cruzar definitivamente com a política. A capacidade de conseguir fazer seguidores é algo de enorme importância tanto no cenário político como no religioso. É desse ponto que emerge os grandes movimentos. O cristianismo conseguiu ao longo da história realizar grandes episódios. Posso destacar investidas como as cruzadas orquestradas pela igreja em parceria com alguns monarcas. Assim narra Henry Lincoln sobre a Cruzada Albiguense:
Em 1209 um exercito de cerca de trinta mil homens[...], descem do norte da Euroupa para o Languedoc, as montanhas a nordeste dos Pirineus, onde fica hoje o sul da França. Na guerra que se seguiu, todo o território foi pilhado, as colheitas destruídas, as cidades e vilarejos arrasados[...]. este extermínio ocorreu numa extensão vasta que pode bem ter constituído o primeiro genocídio na história da Europa moderna. Só na cidade de Beziers, por exemplo, pelo menos quinze mil homens, mulheres e crianças foram mortos [...]. quando um oficial perguntou ao representante do papa como ele conseguiria distinguir hereges de crentes verdadeiros, a resposta foi: mate-os todos, deus reconhecerá os seus (1982, p. 22).
Este se configura como o auge do monopólio do divino pela igreja cristã, onde os interesses iam muito além de levar a boa nova aos homens, antes de tudo, consistia em uma luta por poder político entre elites da Santa Igreja Romana e alguns reis espalhados por todo o velho mundo.
O cristianismo, ao longo de sua história, também manteve relações estreitas com a produção econômica vigente, fato curioso se levar em consideração o apelo ao abandono dos bens materiais pregados pelos propulsores da doutrina. Oposto a isso, vejo uma instituição cristã que quando começou a deter o monopólio do divino nos idos do século V, passou a atuar efetivamente no manuseio de somas substanciais de valores. O próprio surgimento do conhecido sistema bancário, símbolo fiel do capitalismo, deve seu início aos Templários, ordem monástica conhecida como “a Milícia de cristo”, sancionada pela Igreja Católica no final do século XII (LINCOLN, 1982).
Essa relação da Igreja com a ordem econômica é então clara nos períodos medievais onde a mesma era detentora de poderes políticos e divinos. Esse vínculo religião-economia, no entanto, veio a se consolidar com o fortalecimento da economia e o Estado declarado de sociedade do capital, nesta, o homem ou instituição tem que ser funcional, ou seja, precisa produzir ou consumir. Dentro dessas diretrizes básicas do atual sistema de produção, o cristianismo se engendrou, pois é notável a disputa por fiéis entre as inúmeras organizações religiosas surgidas após a reforma luterana , e nestas circunstâncias, cada célula religiosa precisa da sua renda para se manter. A própria ética protestante, como reconhece Max Weber (2007), favorece a proximidade entre o cristianismo reformado e o capitalismo . Embora exista uma contradição enorme entre os princípios básicos expressos na bíblia e os do capitalismo, já que a primeira diz que é aos pobres que pertence o reino dos céus (Storniolo, 1990). Além disso, esse vínculo contradiz a pretensão humanística do cristianismo, pois como afirma Karl Marx (2006, p. 47, 48), ao argumentar sobre as alterações impressas na sociedade pela ascensão da classe burguesa detentora do capital:
Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia destruiu todas as relações [...], não deixou subsistir de homem para homem outro vínculo que não o interesse nu e cru, o insensível pagamento em dinheiro [...]. A burguesia rasgou o véu de comovente sentimentalismo que envolvia as relações familiares e as reduziu a meras relações monetárias.
Mesmo assim, tais igrejas conseguem convencer as massas de que a obra divina necessita de recursos financeiros. Como se verifica com facilidade, as instituições cristãs hoje são antes de tudo, centros de arrecadação e administração dos recursos mundanos, essenciais para a obra de deus dentro de uma sociedade baseada na compra e venda. Diante disto, tem-se hoje uma igreja envolvida em todas as esferas da sociedade, procurando um meio de manter-se funcional, política e economicamente viável.
Atualmente, é comum ver líderes religiosos ocupando cargos eletivos sejam eles na esfera municipal, estadual ou federal, enfim, vários postos políticos sendo administrados por pessoas da igreja. No setor educacional observa-se várias instituições de ensino subsidiadas por igrejas, umas mais abertas, no sentido de que permitem o aprofundamento em temas não–cristãos . Outras são exclusivamente religiosas. É importante estar ciente que cada religião tem por bem transmitir seus pensamentos, sua forma de vida, sua conduta e isto não deve ser diferente quando uma igreja mantém uma instituição de ensino.
No Brasil, o ensino religioso é obrigatório quanto à oferta, mas não é obrigatória a matrícula por parte do aluno, esse pode optar por qualquer outra disciplina de seu gosto ao invés da religião. Aparentemente não há problema algum na oferta do ensino religioso por parte da escola, haja vista que a maioria das pessoas que olham apenas a aparência desse problema vêem nesse ato apenas vantagens para a formação do indivíduo. Alguns, principalmente os lideres religiosos, defendem a manutenção desse ensino alegando ser ele de imensa importância para a formação humana. Porém, ao proceder uma análise sistemática e com o necessário rigor, será que se encontrará equívoco nessa propositura?
Em nosso país a forma religiosa dominante é o catolicismo, religião de base cristã. O cristianismo tem como as outras bases religiosas, o seu conjunto ético, que vai orientar a conduta, a ação de seus fiéis em todos os momentos de sua vida cotidiana. Estes que na terminologia de Lukács (1982) são homens inteiros, pois apesar da religião ser carregada de elementos metafísicos que parecem transcender o concreto, este tipo de manifestação não é reflexo que surge no imediatamente caótico cotidiano da realidade. Assim, na particularidade do ser não há outra fonte motora se não o real; e nos momentos individuais, da vida concreta, o ser social vive o que lhe é aparente. Por exemplo, os cristãos aprendem desde cedo a ver a sexualidade como algo vergonhoso, nojento, sendo apenas permitida após o contrato monogâmico do casamento. Constituindo o pecado original, pelo qual o filho terá que submeter-se a determinado ritual para purificar a si mesmo e aos seus pais (Storniolo, 1990).
Analisando então a religião dentro da escola, questiono sobre as influências que ela causará na relação docente-discente. Faz parte da ética normativa do cristianismo, que o homem deve ser submisso, deve ser o último, deve aceitar aquilo que tem porque foi deus que providenciou. O cristianismo apropriou-se do princípio da reciprocidade da ética humanista que diz que deve-se tratar os outros de acordo com a maneira que você gostaria de ser tratado, orientando o dever de amar o próximo como a si mesmo, ainda que este seja inimigo (Bíblia Sagrada, Mateus 5, 44)
Posto isso, questiona-se até que ponto, essa formação de conduta contribui para uma boa convivência social? A doutrina cristã, dessa forma, não tende a produzir apenas conformistas? Que tipo de conduta social pretende formar o ensino que diz que o homem deve ser como um servo obediente? Que pessoa humana poderá vir a ser futuramente um ser social que aprendeu na escola que deve ser sempre o último? Não estaria apenas contribuindo o ensino religioso para a manutenção de uma ordem preestabelecida e alheia a vontade do homem? Claro que a educação escolar não se constitui apenas de ensino de religião, mas este a influencia decisivamente.
Refletindo um pouco sobre tais questionamentos chega-se a considerar as seguintes hipóteses: o ensino religioso contribui para a formação de indivíduos não-críticos; faz com que o ser mantenha uma forma de vida submissa a tudo o que lhe é imposto; produz nos educandos uma visão fetichista do mundo, típica da religião; leva os indivíduos a se envergonharem e se privarem de vontades básicas a nós humanos; prega que tudo de ruim que aconteça é culpa do homem, ao passo que tudo de bom é obra divina; é tortura para a mente do educando assimilar a doutrina do pecado; pretende que os jovens necessitados de ciência tomem por base para a vida a fé. Esta que, por sua própria natureza nega ao homem um caminhar na sabedoria enquanto aproximação do real. Por outro lado, a fé leva o ser a aceitação de verdades dogmáticas, imergindo o individuo num cotidiano baseado em mitos que o toma por inteiro e o afasta do concreto. É o que afirma Lukács:
[...] não é em seu caso uma opinião, um estágio prévio ao saber, um saber imperfeito, ainda não verificado, mas, pelo contrário, um comportamento que abre – o solo – o acesso aos fatos e as verdades da religião, e que, ao mesmo tempo contém a disposição de tê-lo conseguido desse modo o critério da vida, da prática imediata, que abarca o homem inteiro e o consome de um modo universal (1982, p. 132)

Ou seja, tal base só o direciona para o senso comum? É preciso então ter bastante cuidado quanto a atribuir ao ensino religioso uma grande importância para a formação do indivíduo. Argumentam os religiosos que o ensino de religião contribui com a formação de uma cidadania, segundo sua concepção de homem. Certo é que não se quer uma escola que ensine o senso comum, pleiteia-se uma formação de seres críticos capazes de refletir sobre os problemas sociais, capazes de tomar decisões, de se afirmar como sujeitos históricos e assumir o protagosnismo de uma mudança radical da sociedade cindida entre exploradores e trabalhadores.
Esse é o contexto em que esta pesquisa pretende como objetivo geral, Analisar o papel do ensino religioso na formação da conduta dos homens inteiros, averiguando se, e em que medida essa educação corrobora com a reprodução do capital. De modo especifico, os objetivos são: 1) examinar a legislação educacional brasileira, 2) historiar contextualizadamente a relação trabalho e educação, observando como essa relação é permeada pela religião. 3) Analisar a partir do contexto anterior a revolução burguesa as contribuições da reforma protestante para o desenvolvimento do capitalismo. 4) Compreender em quais bases se fundamentam as relações entre educação e religião no cenário político atual. 5) Entender como a escola enquanto espaço de contradição, contribui para a reprodução do capital através do ensino de religião.
Esse é o contexto em que esta pesquisa pretende como objetivo geral, analisar o papel da religião na educação dos homens inteiros nos momentos de crise (dúvida da orientação). De modo especifico, os objetivos são: 1) mostrar o desligamento da religião com relação à magia; 2) analisar o debate Tomista e Agostiniano versos a desantropomorfização da ciência; 3) compreender o período da reforma, contra-reforma até Rousseau e a relação da religião com o capitalismo; e, 4) conhecer no contexto da crise estrutural do capitalismo, qual a relação da religião com a educação, 5) analisar as atuais políticas públicas para a educação no Brasil em relação as propostas da CNBB.
Pelo caráter de uma investigação como esta, de características prioritariamente teórico bibliográfica, procederei metodologicamente com diversas análises de literatura relacionada ao assunto, incluindo documentos de escolas de ensino fundamental e leis como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Constituição Federal de 1988. Conseqüentemente, nossa fonte se constituirá de livros, documentos e leis que tratem do ensino religioso.
Em decorrência do objetivo maior da pesquisa, que exigirá uma compreensão ampla do homem em seu cotidiano, nos servirá de base para tal, os conceitos de Lukács (1982), que mostra de forma desmistificada toda a complexidade das relações do homem com a natureza a sua volta; e Karl Marx (1980) por sua imensa colaboração no entendimento das relações sociais segundo o trabalho e a produção de mercadorias. Não menos importante é o trabalho de Engels, que traz uma visão geral da evolução do homem em quanto ser social. Nos aspectos relativos a educação, será fundamento principal a elaboração de Ponce (1998), sobre a evolução da educação ao longo da história, em relação aos diversos modelos produtivos surgidos ao longo dos tempos. Sobre a religião, usarei como base, por sua rica e detalhada análise no tocante ao desenvolvimento das principais religiões, Bertrand Russel (1969) e Karen Armstrong (1999).
Minha opção teórica será baseada nos pressupostos marxianos de entendimento da realidade. Adotarei como sendo determinante para a criação abstrata das categorias de exame o que o próprio objeto sugerir, ou seja, como especificado por Marx, partirei da dialética que se processa entre o concreto real e o concreto pensado. Com efeito, esse método de análise propõe uma dinâmica que sai do geral para o específico e deste para aquele, procurando sempre entender um dado obtido dentro de uma totalidade o quanto maior. Portanto, a iluminação onto teórica desta investigação será o materialismo histórico dialético.
Será exposto sistematicamente o presente trabalho em quatro capítulos. No primeiro será abordado o aspecto da gênese da religião, no segundo capítulo tratarei do debate entre ciência e religião no período medieval, o terceiro constituirá em uma análise da religião em relação ao capitalismo com foco nos períodos de reforma e contra-reforma o quarto capitulo mostrará a relação da religião com a educação no memento de crise estrutural do capitalismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LUKÁCS, Georg. Estetica I: La peculiaridad de lo estetico. Bracelona: Crijalbo, 1982.

STORNIOLO, Ivo (Coord). Bíblia Sagrada. Edição pastoral. São Paulo: Paulus, 1990.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 1ª edição. São Paulo: Martin Claret, 2007. 127 p.

LINCOLN, Henry (Coord). O Santo Graal e a Linhagem Sagrada. 18ª impressão. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1993. 22 p.

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da propriedade e do estado. 3ª edição. São Paulo: Editora Presença, 1976.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 1ª edição. São Paulo: Martin Claret, 2006. 47 p e 48 p.

ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus. 3ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 21 p.

PONCE, Aníbal. Educação e Luta de Classes. 16ª edição. São Paulo: Cortez, 1998. 18 p.

CHALLAYE, Félicien. As Grandes Religiões. 6ª edição. São Paulo: IBRASA, 1981. 32 p.

RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. 3ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. 10 p.

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