sábado, 15 de janeiro de 2011

A RELAÇÃO DA RELIGIÃO-CAPITALISMO-EDUCAÇÃO: PARTE 1

Aproximações a uma definição de religião

Para chegarmos à educação, ou mais especificamente ao ensino religioso, que é o ponto de contato da religião com a formação institucional do homem inteiro, e daí analisarmos esses dois eixos (educação-religião) sob o manto da atual crise do capital, é necessário, como dito antes, distinguir exatamente de que religião estamos falando. Para tal, devemos proceder a uma definição da religião, de acordo com, primeiro: modelos teóricos respeitados e, em segundo, com base na observação e reflexão sobre a instituição religiosa contemporânea.
Portelli (1984) nos presenteia com três definições básicas de religião que teriam sido, segundo ele, elaboradas por Gramsci. As três argumentações produzem – se analisadas a fundo – implicações na esfera política, econômica, educativa e na social como um todo. Contudo, não nos estenderemos a tais implicações, pois importa agora apenas a caracterização da instituição religiosa.
Portelli distingue no marxista italiano a definição leiga, religiosa e a que o próprio autor chama de “definição Gramsciana da religião”. De início exporemos a primeira desta série, pelo motivo desta ser mais ampla que as demais e por preponderar – pelo que demonstra Gramsci –, e justamente no cotidiano dos homens inteiros. Assim, ao citar Gramsci, Portelli diz que
é religião toda filosofia – ou seja, toda concepção do mundo – enquanto se tornou “fé”, isto é, enquanto é considerada não como atividade teórica (de criação de um novo pensamento), mas sim como estímulo à ação (atividade ética-política concreta, de criação de nova história) (1984, p. 23).
A citação é clara, contudo, é também bastante ampla e, exatamente por esta razão pode causar mal entendidos quando analisamos a realidade segundo tal exposição. Dessa forma são evidentes as contradições, como por exemplo, uma filosofia pode sim, ser uma concepção da realidade, mas não necessariamente deve ter uma moral expressa mitologicamente. Comprova tal contradição o próprio marxismo, pois com certo exagero Sartre diz ser o marxismo a filosofia insuperável do século XX, o clímax das idéias (JEAN-PAUL SARTRE, 1987). Não necessitando, entretanto, tal filosofia, de uma moral exposta de forma mitológica.
De modo confessional, segundo Portelli, Gramsci caracteriza a religião em:
1) crença de que existem uma ou mais divindades pessoais que transcendem as condições terrestres temporais; 2) o sentimento dos homens de que dependem destes seres superiores que governam totalmente a vida do cosmo; 3) a existência de um sistema de relações (culto) entre os homens e os deuses (1984, p. 21).
As duas definições expostas acima vão compor em certa medida a definição tida como Gramsciana da religião. Portelli demonstra tal definição ao citar o seguinte trecho de Gramsci: “a religião se caracteriza por sua contradição entre o materialismo prático, ou seja, aquele que Lukàcs chama de materialismo espontâneo, ao qual temos aludido anteriormente, e o idealismo teórico, o que a assemelha às doutrinas utopistas e a transforma em período de declínio, em ópio do povo” (1984, p. 27).
Entendemos que esse argumento de maneira simples, contém as características universais de toda religião, ou seja, ele designa uma religião qualquer, não importando seus dogmas ou suas crenças. Tomemos como exemplo o judaísmo. Esta manifestação religiosa tem sua função prática ligada ao imediato cotidiano de seus adeptos, que são determinações morais ou normas de conduta que, sem dúvida desempenham um papel positivo. Em contra partida, existe as fundamentações mais universais e abstratas do pensamento religioso judeu, estas que são antagônicas às ações práticas e, justamente por isso impedem a evolução positiva da religião.
De modo mais próximo temos o exemplo cristão católico, onde as atitudes práticas divergem da ideologia teórica da Teologia. Os cristãos mais fervorosos desconhecem as determinações teológicas de Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Tais determinações por estarem numa esfera idealista pareceriam para o cristão do cotidiano, qualquer coisa, menos a religião que ele segue. Ao homem inteiro não interessa saber se a alma é transmitida ou não durante o ato sexual, e muito menos de que maneira. A este interessa cumprir os rituais da igreja garantindo assim uma vida post mortum. É por isso que Portelli ao resgatar Gramsci argumenta que o católico que seguisse a risca todas as regras do catolicismo pareceria um mostro. (PORTELLI, 1984)
Esse distanciamento entre teoria e prática não existe – ou pelo menos é muito tênue a linha divisória – nos períodos primitivos da religião, como temos demonstrado nos capítulos anteriores. Nesse momento, determinado ainda por uma postura mágica, o germe religioso era estreitamente ligado ao cotidiano, atendendo a funções práticas essenciais. Mas como afirmamos outrora, ainda predominava o caráter mágico, não sendo, portanto, a religião propriamente dita.
Desse modo, a religião situa-se num meio termo entre a filosofia e o folclore, pois ao mesmo tempo em que esta possui um núcleo “filosófico” – a teologia –, é permeada também pelo folclore e pelo senso comum. Como toda religião dispõe de um núcleo material pratico, a mesma é já por esse motivo, heterogênea e sedimentada, pois não dispõe de uma organização teórica coerente com a realidade prática e que seja universal.
A teologia não consegue dar tal sistematização ao conjunto geral da religião, justamente por que é idealista, como afirmamos no capítulo anterior. E a prova da referida estratificação da religião esta de maneira clara nas diversas igrejas cristãs, e de modo particular no catolicismo, quando observamos um comportamento religioso diferente em cada camada social.
Com relação às igrejas reformadas a situação não é diferente e, podemos facilmente, demonstrar o vínculo da instituição religiosa com as forças produtivas. A liberdade espiritual aspirada por Lutero foi, antes de tudo reflexo do contexto histórico da época, onde os mercadores emergiam em oposição aos feudos e clamavam por liberdade para negociar seus produtos.
É interessante observarmos que a crítica de Lutero ao catolicismo, é justamente com relação à prática da compra de indulgências. Ademais, a Igreja de Roma esbanjava luxo enquanto a massa permanecia na miséria, conformada com a promessa do além mundo. Destarte, as próprias doutrinas derivadas do Luteranismo, se opõem a sua base. É o que assegura Max Weber. Este autor explica que a doutrina da vocação, ao pregar a não aquisição desnecessária de ônus, o não desperdício de dinheiro, a dedicação ao trabalho como glorificação de deus, propicia ao mesmo tempo o acumulo de riquezas e a avareza (MAX WEBER, 2007). As duas últimas são fundamentais para o capitalismo.
Por outro lado “a doutrina da predestinação é o dogma característico do Calvinismo” (MAX WEBER, 2007, p. 83) que prega a completa inferioridade da ação humana. Segundo esta doutrina antes mesmo de o homem existir deus já tinha os seus escolhidos, não importa o que o homem faça, diante de si há um destino pronto e acabado, não podendo o homem interferir na história (MAX WEBER, 2007). Essa concepção favorece uma ordem dominante na medida em que torna os dominados sempre mais passivos e conformados.
Dessa maneira, a reforma protestante marca a gênese de uma nova ordem produtiva e a respectiva adequação da religião a esta ordem. A história têm nos mostrado de forma bastante clara essa relação, entretanto, cabe a nós, a seguinte questão, desconheceria Lutero a amplitude e o significado de “seu” protesto? Até Weber, com seu materialismo filosófico-idealista, pôde mostrar, ainda que superficialmente – sem explicar os motivos concretos –, a estreita relação existente entre o capitalismo e a religião.
Podemos agora, mesmo que em caráter preliminar, dizer que a religião difere do folclore e do senso comum, haja vista que estes não têm necessariamente um deus e um culto para se relacionar com este demiurgo. Entretanto, ela é tão heterogênea como estes outros grupos ideológicos, tendo em seu seio uma parte de cada um ao passo que também contribui com o conteúdo destes, além de uma filosofia específica, qual seja, a Teologia. Sua teoria por ser transcendente e antropomórfica deve conter um conjunto de dogmas, e opor-se diretamente a ação prática cotidiana. Sendo a religião uma superestrutura – como demonstrada por Gramsci –, esta permanece sempre sujeita ao modelo produtivo, servindo como instrumento ideológico do bloco dominante, sempre intelectualmente atrasada e economicamente determinada com relação a este bloco.
Como consideramos por meio de provas, sendo que algumas delas se fazem presentes nesta pesquisa, que o trabalho é a categoria fundante do ser social, alguns podem querer deduzir erroneamente que as características universais e atuais da religião expostas acima são excepcionalmente oriundas do “trabalho”, haja vista que a religião é uma enorme e complexa estrutura social.
Contudo, o caráter contraditório da religião, a existência de uma ideologia sem nexo concreto com a realidade, posta de cima para baixo como a expressão de um deus onipotente, tem sua origem com o surgimento das classes, a divisão e alienação do trabalho. Pois, reforçando o que argumentamos no primeiro capítulo, no primitivismo coletivo inexistia a idéia de um deus soberano que exerce domínio absoluto sobre o homem. Só com o aparecimento das classes sociais é que o teórico se distância do prático, surgindo a necessidade de uma ideologia que reproduza e legitime a segregação, mesmo que, no caso da religião a verdadeira intenção seja maquiada.
O trabalho humano, ao contrário do alienado e alienante da atual relação de domínio capital-proletário, contém em si indissociavelmente num único momento, teoria e prática. O homem mantém com este uma relação positiva e agradável, muito diferente da visão que as pessoas têm hoje, quando o “trabalhar” lhes soa como algo negativo, penoso e degradante para o corpo e o espírito. Marx expressa essa relação na sociedade capitalista da seguinte maneira: “o ponto culminante de tal servidão é que ele só pode manter-se como sujeito físico na condição de trabalhador e só é trabalhador na condição de sujeito físico” (2006, p. 113).

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A ARTE E A REVOLUÇÃO

O filósofo húngaro Georg Lukàcs, na sua Introdução a uma Estética Marxista traça as bases para a compreensão do fenômeno estético. Analisando sob o método materialista dialético as categorias do particular, universal e singular – fundamentais para o entendimento do reflexo estético –, Lukàcs considerando o trabalho como fundamento do ser social, diz que a revolução para ser legítima, deve ter como universais de uma classe social, determinadas aspirações particulares. Por isso não há revolução de alunos, não há revolução de professores se as idéias desses grupos não se tornarem universais de suas respectivas classes.
O mesmo movimento de particular-universal, importante no ponto de vista revolucionário, é igualmente relevante para a arte. Tendendo a uma aproximação de uma definição de arte, no mesmo trabalho citado acima, Lukàcs explica que a arte para ser legitima deve estar em um movimento que parte do singular e vai ao universal, tendo como ponto médio organizador de tal dinâmica o particular. Assim toda arte deve refletir caracteres tanto particulares de um povo, de uma época etc., como da mesma forma deve fazer com caracteres universais da cultura geral. No volume II de sua Estética, este mesmo autor vai afirmar que a arte, ou seja, o reflexo estético, assim como a religião e a ciência, parte de um solo comum, qual seja, o cotidiano. Todavia estes se elevam por sobre esse cotidiano – ao universal –, mas retornam ao mesmo solo concreto do cotidiano modificando a si mesmo e a esse cotidiano.
Considerando tais nexos acima, chegamos à obra de Leo Huberman, A História da Riqueza do Homem. Este, escrevendo muito depois do Húngaro Lukàcs, por volta da década de 30, vai afirmar o que o primeiro disse bastante tempo antes. Explicar esta afirmação levaria a livros. Portanto, vamos nos reservar aqui – de modo simplista até – o direito de expor em uma única frase que contem, aliás, a melhor síntese dessas relações descritas. “a revolução é uma arte” (LEO HUBERMAN, 1981).

sábado, 1 de janeiro de 2011

O que seria arte? Eis uma boa resposta!

Seidou Konè, conhecido como Alpha Blondy, é natural da Costa do Marfim no continente africano. Cantor de reggae, sua música trata entre outros, dos mais diversos problemas daquela região, de sua cidade, de seu país e de todo o mundo, pois Seidou consegue como poucos, capitar aquela realidade e elevá-la a um nível mundial. Sua sensibilidade, diferente daquela do homem inteiro, permite que sua obra saia da particularidade e vá ao universal, depois retornando ao particular enriquecendo-o e modificando-o.
Eis uma agora, uma canção de Seidou Konè para apreciação daqueles amantes da arte, e para os que desejarem conhecê-la. A canção chama-se Tampîri e dispensa comentários. Recomendamos que vejam o video depois de analisar a letra. Obs (a tradução é do google)


Alpha Blondy – Tampiri

Je ne veux pas de confusion!
Eu não quero confusão!
Pas de mauvaises
Não é mau
interprétations!
interpretações!
Je ne veux pas d'Almagames!
Eu não quero Almagames!
Je veux rester dans la game!
Eu quero permanecer no jogo!

En Moré,quand on dit imbécile,
Em Moré, quando dizemos idiota
On dit tampiri.
Dizem tampiri.


Si l'Afrique est en retard,
Se a África está ficando para trás,
c'est la faute des tampîris
a culpa é de tampîris
Si les Africains ont été vendus, avec la complicité des tampîris
Se os africanos foram vendidos, com aa cumplicidade de tampîris
Si les marchands d'armes prospèrent en Afrique, c'est la faute des Tampîris.
Se os comerciantes de armas prosperar na África é culpa do Tampîris.

Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
Tampîri todos Tampîris, Tampîris
Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
Tampîri todos Tampîris, Tampîris
Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
Tampîri todos Tampîris, Tampîris
Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
Tampîri todos Tampîris, Tampîris

En Angola il y a des Tampîris
Em Angola tem Tampîris
Au Rwanda il y a des Tampîris
Em Ruanda não tem Tampîris
Au Mozambique il y a des Tampîris
Em Moçambique não tem Tampîris
En Centrafrique toujours des Tampîris
Na região central sempre Tampîris
En Ethiopies il y a des Tampîris
Na Etiópia não tem Tampîris
En Somalie il y a des Tampîris
Na Somália não tem Tampîris

Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris


Au Liberia, il y a des Tampîris
Na Libéria, tem Tampîris
En Côte d'Ivoire il y a des Tampîris
Côte d'Ivoire tem Tampîris
Au Congo Brazza il y a des Tampîris
Congo Brazza tem Tampîris
Congo RDC toujours des Tampîris
RD Congo ainda Tampîris

Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
Tampîri, tous les Tampîris, Tampîris
OBS: Essa postagem é dedicada ao professor Deribaldo, estudante de Estética Marxista e fã de Alpha Blondy.