terça-feira, 24 de novembro de 2009

DISCURSO DO ORADOR DOCENTE - Feclesc - SEMESTRE 2009.1

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Prof. Deribaldo Santos, Ms.

Em nome do Magnífico Reitor, Professor Francisco Moura de Assis Araripe, cumprimento as demais autoridades presentes. Por intermédio da pedagoga Jaqueline Moreira Lemos, que nessa turma se forma, aproveito e saúdo os demais formandos e formandas da noite.
Pela mediação da eficiente Maria Rosália de Oliveira Fernandes, do incansável Clodoaldo de Sousa Tavares e do Professor Jorge Alberto Rodriguez, congratulo funcionários da Feclesc e Professores da UECE aqui presentes.
Senhores Pais, Senhoras Mães, Madrinhas e Padrinhos que compartilham tão sublime momento, Boa Noite! Particularmente aos Pais e Mães, dirigirei minhas reflexões desta, repito, honrosa data. Para nós, Professores, Autoridades, Funcionários, esta data, talvez, seja mais uma formatura. Porém, é certo que a realizamos com muita satisfação e afinco, pois temos consciência que se faz necessário esta praxe acadêmica, este protocolo que se precisa cumprir, ou os procedimentos que se precisam atender. Para os estudantes, a formatura tem um preparo, certa dose de sistematização do que ocorrerá, abrandando, um pouco, a luminosidade do fato. Mesmo sendo muito especial para os mesmos, penso eu, não ter a mesma estima ou, importância que o
imaginário de seus Pais e Mães alcança. Com efeito, o fato dos Senhores e Senhoras, Genitores e Genitoras, serem em sua maioria agricultores e agricultoras, cria para mim um valor inestimável e as palavras que meus lábios articularão, garanto-lhes, jamais poderão se aproximar do valor que atribuo aos seus respectivos filhos que, hoje, se formam sob circunstâncias extravagantemente desfavoráveis. Continuo parabenizando ainda, aos Senhores Pais e Mães que lutaram bravamente para desviar o destino de seus filhos e filhas, da sina de aumentar as estatísticas de jovens que não tem a maravilhosa oportunidade de freqüentar uma universidade, em uma sociedade onde apenas, 10,4% de rapazes e moças entre 18 e 24 anos estão matriculados no ensino superior. Justifico essa importância, olhando para minha mãe, mulher, que pouco estudou
e que tanto me auxiliou. Ainda menina que plantava o necessário para comer, aos 13 anos de idade, como tantas filhas de agricultores, ainda adolescente foi expulsa da terra onde nasceu depois que um latifundiário tomou-lhes aleivosamente o chão, a casa, a terra, a esperança. Forçosamente, tivemos que inchar mais uma dentre tantas favelas na grande metrópole brasileira: o Rio de Janeiro. Isso não a impediu de ensinar-me o valor do estudo.
Hoje, sou pai de dois filhos lindos: Ilan de 16 anos e Ana Luiza de cinco anos. Quando o menino, que já está no ensino médio, tira uma boa nota, meu espírito se enche de regozijo. Fico a imaginar como será quando eu estiver experimentando o momento que os Senhores e as Senhoras estão agora sentindo. Acho que me sentirei um homem muito especial.
Sou professor e moro na cidade; meus filhos têm acesso ao que são chamadas boas escolas. Todos esperam que um filho de professor se forme. Entretanto, a sociedade capitalista que vivemos, separa para os vossos filhos e filhas as mais difíceis e precárias oportunidades de formação existentes. Vocês, juntamente com seus filhos e filhas são heróis e heroínas justamente por isso! Não preciso falar sobre as animalescas condições que esses estudantes precisam se submeter em seus cotidianos escolares, pois seus depoimentos soariam com melhor profundidade e imanência que o meu.
Essas condições servem para que os políticos expliquem a existência de um destino hipotecado na hora do parto, ou seja, vossos filhos e filhas nascem com a sina de não terem direito ao conhecimento universal. Contudo, como Antônio Conselheiro ou como Dandara de Palmares, esposa de Zumbi, líder camponês assassinado exatamente por querer mudar o destino de seus filhos, de seu povo, vocês aqui
presentes, merecem todo o mérito que há, toda minha reverência, toda a honra que as autoridades puderam conceder-lhes, toda a alegria e lágrimas desse momento. Quis a coincidência que há exatos 314 anos depois de 20 de novembro de 1695, quando Zumbi
foi cruelmente assassinado, que estivéssemos aqui para dessa vez comemorar uma vitória da luta, da justiça e do afeto de vocês sobre o que chamam: destino. Tenho que, por necessidade da função docente, dirigir algumas palavras também aos jovens profesores e profesoras recém formados, nesta difícil mas importatíssima profissão. Mesmo assim, o que direi continuará tendo como direção principal, a mente e o coração dos pais e das mães atentas às profissões de suas crias, pois, foi no núcleo familiar que esses jovens começaram a compor suas visões de mundo. A família é,
segundo o intelectual italiano Antonio Gramsci, “o primeiro núcleo social que supera o indivíduo, que impõe a ele obrigações e responsabilidades”. Formandos e formandas, utilizarei um pequeno trecho de um poeta, também filho de agricultor, que escreveu em versos da poesia Sina algumas inquietações sobre o destino. Patativa do Assaré, que de maneira simples e profunda assim se expressou: “Eu num invejo dinheiro/ Nem diploma de doutor”. Para nós, essa reflexão, embora pequena, é especialmente admirável e precisa ser aprofundada. A meu ver, o fato de se formarem em uma instituição que apresenta um estado de precariedade quase absoluto como a nossa, aumenta bastante a responsabilidade e a obrigação de vocês com a transformação dessa condição. Não adianta um diploma de doutor se ele é vazio de conteúdo e, destacadamente, de compromissos e obrigações com o seu mundo. Para usar Gramsci mais uma vez, o conhecimento oco e desobrigado em transformar a realidade equivale ao mesmo que contrair o micróbio causador da
tuberculose.
Vocês, formandos e formandas, para honrar dignamente o esforço de seus pais e de suas mães, precisam de um saber que contribua para a superação desta sociedade, que historicamente foi cindida em duas classes. Isto é, para usar a feliz formulação Josué de Castro: “Existem 2/3 de pessoas que não dormem porque sentem fome, e 1/3 de pessoas que não dormem por medo dos que sentem fome”. Para que os Pais e as Mães aqui presentes possam ter uma idéia do tamanho da tarefa heróica que realizaram seus filhos Formandos e Formandas, preciso adiantar, de modo breve, para não nublar a luz que rodeia essa ocasião, a contradição que é se formar em uma instituição sem as, minimamente dignas, condições de aprendizagem: cadeiras que rasgam as roupas dos estudantes; banheiros inumanos; carência enorme de livros (não há ao menos um bibliotecário), ausência de recursos para que os professores possam supervisionar as regências dos alunos; não temos sequer um transporte que se possa confiar; inexistem espaços individualizados para estudos e orientações dos professores com seus orientandos; não temos auditório, entre muitos outros problemas que o brilho deste evento me impede de ilustrar. Por outro lado, nossos egressos se destacam em concursos públicos, temos vários ex-alunos em mestrados e doutorados espalhados pelo mundo acadêmico. O
nosso curso de pedagogia, por exemplo, alcançou pelo segundo ano consecutivo visibilidade nacional através de pesquisa divulgada pela Editora Abril. Pais heróis, mães heroínas, esse é o contexto de vossa luta. Comemorem, pois suas vitórias são reluzentes e brilhantes. Com o intuito de caminhar para minhas ponderações conclusivas, evocarei a presença de mais uma reflexão de origem camponesa. Dessa vez, trago aos vossos ouvidos a triste história escrita pelo poeta Zé da Luz. Ele contou a trágica confissão de
um caboclo que assassinou a sua amada Rosa Maria. Esse caso se passa quando um senhor chamado Chico Faria é visto pelo caboclo recebendo um bilhete de Rosa. O enciumado marido avança na direção da suposta cena de adultério armado de faca, mas como o rival Chico consegue fugir, ele esfaqueia a esposa até a morte. Posteriormente, vai se entregar ao delegado e diz que é criminoso pois matou sua Rosa e o bilhete é a prova de seu crime. Para o espanto do caboclo, quando o delegado lê o bilhete, lá esta registrado uma súplica de Maria para que o assédio de Chico termine, pois ela se diz completamente apaixonada pelo marido. O caboclo pede ao delegado que o prenda e o condene a uma pena dupla: a primeira por ter matado a sua amada e a segunda por
nunca ter aprendido a ler uma carta de ABC. Com a trágica confissão do caboclo, quero reafirmar o que já havia enxergado com muita propriedade Berthold Brecht: o maior analfabeto é o analfabeto político. Diferentemente do caboclo, vocês, Formandos e Formandas, aprenderam a ler, a partir do enorme esforço de seus pais e mães e, por cima de gigantescos méritos individuais, vocês concluíram um curso superior. Contudo, se essa formação não for compromissada com a totalidade da sociedade, com Marias, Rosas, Chicos que ainda não aprenderam sequer a ler uma carta do ABC; com meninos e meninas que vasculham os aterros sanitários em busca do que comer; com prostitutas, presidiários, mendigos e demais sobras do sistema capitalista, seus diplomas, para fechar com Gramsci, equivale a um micróbio infeccioso. Ou seja, a transformação da sociedade, mais do que nunca, precisa de seus conhecimentos. E em honra ao esforço de vossos familiares, seus saberes precisam ser organizados na direção de uma mudança radical da injusta sociedade partilhada pela humanidade.
Mais uma vez direcionando minhas palavras exclusivamente aos pais e as mães aqui presentes, apresento meu perdão. Tenho toda consciência e educação familiar suficiente para saber que vossos ouvidos não merecem ouvir, em um momento tão brilhante e esperado como o de hoje, palavras algumas vezes temperadas com a acidez, que minha boca imprimiu. Entretanto, meus heróis e minhas heroínas, vocês já fizeram, e muito bem, o vosso papel. Agora, vossos filhos e filhas precisam entender o deles. Nunca na história da humanidade o conhecimento foi tão reconhecido como importante. Portanto, meus guerreiros e guerreiras, licenciados e licenciadas utilizem a arma que possuem de uma forma revolucionária. Finalmente, despeço-me sem condições, tampouco pretensões de esconder minha indisfarçável emoção e satisfação pela honradez de se convidado a representar o corpo docente da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (Feclesc-UECE). Com meus melhores e mais sinceros cumprimentos, apenas tenho agora que dizer: meu muito obrigado!

3 comentários:

Anônimo disse...

Tá muito legal o BLOG cara...
muito massa mesmo ...
=)

Anônimo disse...

Muito bom cara...! leve mais com um toque de veneno!

Anônimo disse...

muito legal, que continuemos assim com iniciativas boas como essa.